Não sabia se era dia, tarde ou noite. Não havia hora, tempo,nem lugar... Apenas eu e a caixa, que, com sua aura cósmica iluminava meu rosto na escuridão. Não sabia como abri-la, mas podia ver através da única face transparente do poliedro: ele continha galáxias inteiras! Apesar de ter menos de meio metro quadrado, o que havia dentro dela era aterrador! Infinito!
Sentia-me hipnotizada pelas formas leitosas que desprendiam-se dos bulbos até separar-se em pontos solitários na escuridão. Eram dezenas de espirais luminosos e belos envolvidos por poeira cósmica colorida, supernovas, estrelas cadentes e meteoros.
Poderia passar minha vida inteira a admirar o conteúdo daquela caixa, como se fosse meu tesouro pessoal, um aquário de corpos celestes. Meus olhos jamais se cansariam de tal magnitude. No entanto, foi grande meu assombro quando percebi que a caixa estava furada. Temi que algo terrível acontecesse, e tentei fechar o orifício com as palmas da mãos, mas logo vi outro furo, e outro e outro... De cada um deles saia um fortíssimo feixe de luz, como se o universo escapasse! Um ar gélido e veloz saia assobiando e eu soube que era mais forte que eu. Minha tentativa de contê-lo foi inútil, pois apareciam novos orifícios.
Emburrei-me e desisti.
Emburrei-me e desisti.
"Que idéia mais idiota, guardar o universo dentro de uma caixa..."
Sentei-me na espera de que algo acontecesse. Quando dei-me conta, vi minha falecida bisavó sentada ao meu lado, e o pavor novamente percorreu minha espinha. Encolhi-me assustada e não pude correr. Ela não parecia surpresa em estar lá e nem me cumprimentou, como se já estivesse sentada ao meu lado há um tempo. Começou a falar como se continuasse uma conversa anterior. Não parecia sentir-se morta. Talvez não estivesse ainda. Talvez viesse de outra dimensão, onde o tempo era atrasado em relação ao meu... Como se pertencesse a um universo paralelo.
Ela olhou a caixa e perguntou-me o que lhe aconteceria, qual a sua sorte, como morreria...
Ouvi suas perguntas com pavor. Eu não queria estar perto dela, ou falar-lhe. Não era certo! Era mórbido! Era contra equilíbrio do universo! Eu me esquivava, mas ela aproximava-se agonizante de mim, suplicando por respostas. Queria devolvê-la a todo custo ao plano de onde saíra! Não poderia dar nenhuma a resposta a ela e correr o risco de alterar seu destino, descarrilhar um fluxo perfeito!
Diante de minha negação ela se exaltava mas também enfraquecia, como uma estrela morrendo. E foi definhando, como um fantasma velho e murcho. Inconsistente foi ficando até converter-se em uma essência preta e triste, pairando em coordenadas limitadas de ar. Envolvi o espaço ao seu redor com as mãos e transportei-a de volta para caixa, que estava novamente intacta.
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Lendo um pouco sobre a Caixa de Pandora, estabeleci um paralelo entre o mito e meu sonho.
Reza a lenda que Pandora foi a primeira mulher na terra, portando uma caixa misteriosa que trouxera do Olimpo, com a recomendação de não abrí-la. Por algum tempo conseguiu mantê-la fechada, mas sua curiosidade fora tamanha, que acabou abrindo. Da caixa fugiram todas as calamidades e desgraças que até hoje atormentam os homens. Pandora ainda tentou fechar a caixa, mas era tarde demais: tudo havia escapado, com a exceção da "esperança" que permaneceu presa.
A dúvida é: o que fazia a Esperança em meio a tantos males?
Uma tradução mais precisa dos textos gregos substituiria a palavra "Esperança" pela expressão "espera de algo" ou "antecipação", o que nos leva a melhor compreensão da moral presente na estória. Com todos os males que assolam a humanidade, se o homem tivesse o conhecimento prévio do futuro, viveria em eterna aflição... Tornar-se-ia obcecado com a própria sina e as desventuras do porvir.
Bem aventurada minha bisavó, que continuou sua vida no outro plano sem saber quando e como iria morrer. A única certeza que temos é a de que um dia iremos partir. No entanto, saber os pormenores só abreviaria nossos dias em meio à angústia de uma espera mórbida.