Às vezes analogias não passam de figuras de linguagem que utilizamos para consolidar argumentos falaciosos. Mas às vezes elas são como perfeitos punhais que rasgam o véu de ignorância que cobre nossos olhos. Tenho uma analogia que, além fundamentada, ainda fez-me sentir um irremediável lixo. Ou pior: uma praga, que consome tudo que é vivo e que não tem tantas alternativas razoáveis para sua vil existência. Explicarei enquanto agonizo.
Em minhas andanças em busca de um pedaço de terra para chamar de lar, notei o quão rápido a civilização avançou por espaços antes "desabitados". Há 10 anos, eu morava na saída da cidade. Hoje não posso mais afirmar tal coisa, pois tudo cresceu muito para todas as direções. Onde havia matas, lagoas e outros ecossistemas intocados, agora há uma panificadora, uma academia, condomínios e casas, muitas casas. O que era estrada, agora é via de acesso para muitas moradas.
A impressão que dá é de que tem acontecido um grande progresso, e de que a cidade está crescendo. Muitos até se alegram com isso. Esquecem-se de que os lugares que parecem inabitados é o lar de muitos seres vivos (como nós). Ao avançarmos sobre essas terras, estamos matando e desabrigando pássaros, anfíbios, lagartos, soins, jacarés, capivaras e milhares de outras criaturas. Os que não morrem, migram para terras vizinhas que logo menos serão devastadas por nós, seres humanos, detentores de plenos poderes e donos do mundo.
A formiga ergue verdadeiras civilizações embaixo da terra. O passarinho abriga sua família em aconchegantes ninhos. Mas nós humanos somos como gigantes que sequer atentam para a existência dos outros seres e saímos pisoteando, derrubando, queimando e construindo sobre os lares dos outros seres. Como se tudo no planeta existisse em nossa função.
Às vezes imagino como seria se outros seres gigantes surgissem na terra e, para eles, nós fôssemos pequenos como formigas. Eles viriam com seus pés gigantes e pisariam nossas casas e famílias como se não existíssemos ou fossemos insignificantes demais para desviarem seu caminho. Eles nos desapropriariam e construiriam suas casas sobre as nossas como se tivéssemos menos direito de existir que eles.
Também imagino como seria se o governo simplesmente nos mandasse embora de "nossas terras" ou matasse quem resistisse em ficar. De certo haveria um grande reboliço no mundo. Porque sabemos falar. Porque sabemos criar e manusear armas. Mas se fossem gigantes, definitivamente não teríamos alternativas a não ser fugir até que a morte nos encontrasse. Nossos gritos de formiga não seriam ouvidos. Os titãs prevaleceriam. Ergueriam seus lares felizes sobre nosso sangue sem remorso algum. E a mídia titânica publicaria fotografias de suas famílias sorridentes e incentivaria outros gigantes a comprar mais terras que, na verdade, nunca pertenceram a alguém, mas sim a todos.
Não tem jeito. O mundo vai acabar. E nós humanos sofreremos por último. Só não sei se quem sofre por último, sofre mais.
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Sim, estou numa fase ativista e existencial.