Que as mãos do futuro respeitem a pureza deste momento.
Uma aura de repente me ilumina.
Vejo-me nua no espelho. A curvatura das costas, o relevo do
seio. A cor nácar reluz com o feixe de luz que me ilumina o busto. Mãos
invisíveis me apertam a nuca. Abro o corpo para o vento e para a misteriosa
energia telúrica. Refletida no grande cristal, pareço uma donzela antiga de
cabelos desgrenhados, mas bem dispostos. Sou bela como Vênus entre espumas.
Ilegítima, mas real. Envolvo-me em um abraço quente e roço a face nos ombros
nus. Delicio-me com o veludo da pele enquanto meus longos cabelos acariciam-me
as costas. Deito-me para apreciar o toque da colcha de seda ornamentada. É
gostoso, mas agora meus lábios estão secos.
Levanto-me e descubro o misterioso ângulo dos joelhos. Anoto
para não esquecer, mas em enigma.
Sei que devo lembrar de mudar algumas coisas de lugar. Coisas
e sentimentos. Também preciso buscar meu celular no jardim de inverno... Antes a
chuva venha. Mas a distância agora parece maior, Achei prudente calçar os
sapatos.
“Vou para a terra e depois volto pra casa. Subo um degrau,
tiro os sapatos na primeira cerâmica e sigo descalça pelo resto da casa.” –
pensei. Ou terei murmurado? Era um mecanismo lógico, mas idiota ao ser pensado.
As coisas estavam demasiadamente confusas, então resolvi apenas observar. Peguei meu celular e dirigi à cozinha.
No chão da cozinha, um girino, anfíbio morto. Parecia um
mini-crocodilo, e às vezes um mini- homem. E às vezes um mini-homem... feito de
carne mesmo.
O gato gosta.
O homem-girino é mais que isso. É um mini-homem girino com
aparência de crocodilo. Na verdade ele é ainda mais. É uma porta de armário
entreaberta.
Não. Não há nada por trás do que digo. Não há nada subliminar.
É apenas o retrato do que imagino... Do que é peculiar... Por trás dos olhos
vermelhos.
Abandono o claustro de paredes, telhas e móbília. Nas ruas,
me sinto só. Embora o chão seja de pedras, e as muitas árvores refresquem a
noite, a sensação é de estar naquelas cidades de gibis. Ao fechar os olhos,
vejo silhuetas negras de prédios, desenhadas em um céu púrpuro... São como
grandes lápides, de tudo que era vivo e o homem dizimou para erguer suas
civilizações. A criminalidade está em alta... E sonhamos com heróis que nos
salvem do mal nos becos escuros da cidade... Ignoramos as advertências e o instinto
de auto-preservação para sermos salvos. Expomos-nos aos mais terríveis riscos
para sermos resgatados em seguida. E quando nos falta auxílio, amaldiçoamos a
existência e a criação. Nos entregamos à descrença, passamos a confiar em nossa
própria justiça e força. Isso não nos torna menos frágeis.
Tudo aqui são pessoas que querem falar coisas. E todos têm a
mesma voz, a mesma entonação, o mesmo jeito. E eu, que vivi no máximo três vezes, penso saber das coisas. O mundo e as relações interpessoais são deveras
enfadonhos. Suspiro e encerro tais reflexões, que de certo não levam a nada.
Continuo minha peregrinação sensorial.
Continuo minha peregrinação sensorial.
Sento e observo a natureza em minha volta. Um de meus gatos vem até mim, de uma forma diferente. Ele parece ter consciência humana, e seu olhar
me faz mil acusações. Com a boca entreaberta, começou a roçar sua cabeça em mim, num ritmo nervoso. Isso me fez sentir dor e medo. O meu lado homem
quis mostrar fogo. O meu lado animal quis correr. No entanto, resolvi me
afastar e ceder lugar ao gato. Respeitamo-nos, como seres domesticados que
somos. Toda a situação se desfez.
Pisco os olhos no ritmo do grilo. Ouço passos e o tic-tac de
um relógio. Mas onde estou não se contam as horas. Apenas padrões. Quando a
mágica acabar, saberei que se passaram duas horas. Poderiam ser seis se assim
quisesse. Mas dessa forma amanheceria sem que eu durma.
Hoje o vento está bom para incenso e eu escolho sono. Gostaria
de não acordar, por alguns dias. Ainda assim, ajusto o despertador para que toque
na hora certa...
"Que me desperte na hora de acordar. Que só descarregue depois..."
"Que me desperte na hora de acordar. Que só descarregue depois..."
Hoje, as mãos do futuro exaltam a tão preciosa cura para as
penosas vigílias do passado.
---
Parte de mim era dom, outra era tristeza. Por algum tempo, apeguei-me à melancolia como principal fonte de inspiração. Como se a própria tristeza fosse meu dom. Só eu sei como meus últimos escritos foram sentidos e refletiam meu estado real de espírito... um estilo de vida doentio. Ao fim do ano passado, resolvi destituir-me do luto, ainda que isso refletisse em minha habilidade para escrever ou implicasse no fim dela. Embora soubesse que jamais seria uma pessoa radiante, abracei a possibilidade de ser diferente. De sofrer menos. Passei um bom tempo sem escrever coisa alguma, com exceção de listas de supermercado e pequenas cartas de amor.
No entanto, sob a poderosa influência de Marte, acordei incrivelmente disposta a escrever. Resolvi dar uma olhada em meus arquivos e achei tudo muito bom. Precisando de correções, é claro.
Mas enfim... Estou editando o cru e postando o que antes era impublicável...
Sinto-me especial. O dom, que é a parte de mim que mais gosto, continua entranhado aqui dentro.
Voltei a sonhar, a ter minhas experiências astrais. Minha sensibilidade está a flor da pele.
Confesso que meus melhores contos foram escritos no auge de minha tristeza... O "Swarovski e Sangue"... "Mágica em pó"...Estudos comprovam a influência positiva da melancolia sobre processos criativos... No entanto, eu também escrevi coisas legais fora da lânguida redoma em que estava aprisionada. "Glay O'Hanne Lindsay" é a prova disso.
Sempre gostarei de Augusto dos Anjos, Álvares de Azevedo e seus poemas malditos.
Não tenho pretensão alguma de escrever textos ridículos de auto-ajuda ou motivação.
Minha atração pelo oculto e místico dificilmente deixará de existir.
Permanecerei escrevendo com a alma, e isso sempre refletirá minha essência.
Parte de mim era dom, outra era tristeza. Por algum tempo, apeguei-me à melancolia como principal fonte de inspiração. Como se a própria tristeza fosse meu dom. Só eu sei como meus últimos escritos foram sentidos e refletiam meu estado real de espírito... um estilo de vida doentio. Ao fim do ano passado, resolvi destituir-me do luto, ainda que isso refletisse em minha habilidade para escrever ou implicasse no fim dela. Embora soubesse que jamais seria uma pessoa radiante, abracei a possibilidade de ser diferente. De sofrer menos. Passei um bom tempo sem escrever coisa alguma, com exceção de listas de supermercado e pequenas cartas de amor.
No entanto, sob a poderosa influência de Marte, acordei incrivelmente disposta a escrever. Resolvi dar uma olhada em meus arquivos e achei tudo muito bom. Precisando de correções, é claro.
Mas enfim... Estou editando o cru e postando o que antes era impublicável...
Sinto-me especial. O dom, que é a parte de mim que mais gosto, continua entranhado aqui dentro.
Voltei a sonhar, a ter minhas experiências astrais. Minha sensibilidade está a flor da pele.
Confesso que meus melhores contos foram escritos no auge de minha tristeza... O "Swarovski e Sangue"... "Mágica em pó"...Estudos comprovam a influência positiva da melancolia sobre processos criativos... No entanto, eu também escrevi coisas legais fora da lânguida redoma em que estava aprisionada. "Glay O'Hanne Lindsay" é a prova disso.
Sempre gostarei de Augusto dos Anjos, Álvares de Azevedo e seus poemas malditos.
Não tenho pretensão alguma de escrever textos ridículos de auto-ajuda ou motivação.
Minha atração pelo oculto e místico dificilmente deixará de existir.
Permanecerei escrevendo com a alma, e isso sempre refletirá minha essência.