segunda-feira, 24 de julho de 2017

Sobre a morte

- Pai, perdoa a alma dos suicidas. Tu conheces a natureza humana. Tu nos criaste, sabes de nossas fraquezas. O suicídio é o maior grito de sofrimento de um ser. - pedi, completamente consternada pela morte de Chester Bennington e de tantos outros desistentes com os quais me identificava.
- Filha, muitos deles jamais pediram a minha ajuda. Muitos deles me negaram e blasfemaram.
- Somos ignorantes, Pai. Muitas vezes agimos sem saber, sem temer, sem acreditar. Parte de tua criação não é capaz de ver o invisível.
- Filha, por acaso conheces o íntimo de cada ser? Lembra-te das vezes que amaldiçoaste teus irmãos, afirmando que todos (sem exceção) tinham irremediável peçonha dentro de si? Quantas vezes choraste amargamente ao testemunhar atos vis e cruéis por eles cometidos? Quantas vezes pedistes a mim que os castigasse até a quarta geração?
Envergonhei-me, sem me arrepender. Todos tinham merecido aqueles sortilégios.
- Peço então que perdoe apenas os bons. Sei que a justiça humana não passa de "trapo de imundície". Mas tu sabes, Pai. Tu conheces o coração de todos. Sabes diferenciar os que não suportaram coexistir com a própria imundície daqueles que foram vítimas do peso esmagador do mundo.
- E qual medida devo usar para julgar os homens? A tua?

Embora considerasse minha "balança" próximo de justa, calei-me diante daquela pergunta retórica. Acredito que Deus já tenha todas as respostas. E qualquer argumento que eu usasse, soaria muito prepotente. As escrituras condenam os suicidas, mas acima de todas as coisas está a Justiça de Deus. Acredito que Ele possa perdoar qualquer transgressão, mas este é um mistério que não me será revelado enquanto meus pulmões viciados em oxigênio continuarem buscando o ar.

Enquanto isso, continuarei comovida por alguns. O suicídio é um ato de extrema coragem. É a negação de milhares de possibilidades, por falta de fé no futuro, pela ausência de qualquer relevância no presente. É o fundo do poço, do qual muitos falam, mas poucos chegaram. É cair num lugar de escuridão total. É tatear em volta e só encontrar um círculo infinito de pedras frias, indissolúveis e rígidas. É pisar sobre um chão lamacento repleto de vermes e anelídeos e não conseguir tirar os pés do chão, num misto de asco e medo.

"Impressionada sem cessar com a morte" - assim me descrevo. Ela me intriga desde cedo. Lembro-me de analisar o corpo decomposto de um gato morto quando era pequena. Quando vim a entender o que aquilo significada, meu espírito se abateu. Uma década e meia depois, a morte de animais e algumas pessoas ainda me comovia muito. No entanto, passei a pensar na minha própria morte como algo banal. Pensava sobre como eu poderia perfeitamente explodir uma bomba de hidrogênio que dizimasse toda a humanidade, em nome de um bem maior. Para que toda a maldade, todo o sofrimento, desigualdades a dor fossem pelos ares. Para rachar a terra mandar seu conteúdo podre para o ralo do universo, como um ovo estragado que chocaria serpentes.

Hoje penso sobre como eu daria minha vida pela pessoa que mais amo. Que prefiro ir antes a ter que presenciar sua partida. De certa forma, você só se apega à vida quando sente que ela não te pertence mais. Quando um outro ser depende de você. Quando sabe que sua partida antecipada pode arruinar a existência de alguém que você estima mais que tudo. Mas a vida em si, de nada vale, quando é a única coisa que se tem.

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