Quero que saibas
uma coisa.
Sabes como é:
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.
Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.
Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.
Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.
Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
se todos os dias uma flor
uma flor te sobe aos lábios à minha procura,
ai meu amor, ai minha amada,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor alimenta-se do teu amor,
e enquanto viveres estará nos teus braços
sem sair dos meus.
Pablo Neruda, “Poemas de Amor de Pablo Neruda”
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Simplesmente lindo este poema *-*
quinta-feira, 14 de setembro de 2017
nada
Estou certa de que há algo errado com este mundo. Não é por
acaso que ele não é uma forma perfeita... que caminhe lento em elipses
tortas... que gire desconsertado em seu eixo, como uma engrenagem danificada. O
planeta há muito descarrilou de sua órbita. Existem erros incorrigíveis, coisas
que não podem ser consertadas. Eu sou uma delas e estou prestes a não conseguir
mais. É um quebra cabeças onde faltam muitas peças: essa vida. Pra piorar, a
caixa está repleta de peças falsas, que jamais se encaixariam em qualquer
lugar. Sou uma dessas peças. Meus encaixes estão completamente desgastados das tentativas
falhas de compor uma imagem perfeita. Como fazer de mim uma nova forma sem parecer
uma aberração? Como aparar as arestas sem que eu me esvaia em sangue e morra
louca? Temo já estar louca, e sangrando,
e sujando tudo. Eu já estou, sim. Estou cansada, mal posso lutar contra mim.
Tudo causa câncer, até respirar. Eu posso ouvir os gemidos de quem está em dor,
numa distância daqui até o Japão. Posso ouvir o crepitar do fogo na mata, o
choro de uma baleia, o quebrar de ossos. Posso ver e rever as injustiças em um
loop eterno. Não consigo fechar os olhos. Não possuo mais pálpebras. O inferno
é aqui? Não sei onde está o controle-remoto. Não posso mudar o mundo, não. Não
posso mudar a mim mesma. Não consigo tocar o dedo do pé na minha nuca, ou a
barriga em meus joelhos. Não consigo rodopiar sem ficar tonta. Meu olhar não
chega ao ponto fixo na parede antes do resto do corpo. Meus membros estão
flácidos, mas não me resta tempo pra lutar contra o tempo. Eu sou o desencaixe.
A sede de justiça, que não morre nunca. Por pura covardia. Sou covarde, de
mente barroca. Sou boa, eu sei que sou. Sou uma pessoa boa. Sou uma pessoa boa.
Sou uma pessoa boa. Mas não sou desse mundo. Não pertenço, não me encaixo, não
compreendo. Porque minha mente processa tudo do jeito que deveria ser, mas
simplesmente não é. Eu sei de tudo, mas não sei de nada. Falhei com muitos, mas
foi pouco perto de como falhei comigo mesma. Como me iludi. Como fui vítima de
meus anseios e segui sorrindo pela trilha da utopia. Dos meus sonhos, meus
maiores algozes. Sou pequena. Sou uma mosca. Sou o vira-latas que passa fome,
que pega chuva, que foge dos homens e às vezes morde. Sou menor que o nada que
está ao meu alcance. Sou o Layne Staley, de olhos fechados sempre. Sou o
unplugged de Alice in Chains... Sou o cansaço. Sou o morrer na praia. Sou o correr correr, sem chegar a lugar nenhum. Não sou nada. Eu não sou nada. Não passo de um
nada.
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