sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Ensinamentos de Don Juan Matus

"Nunca me zango! Nenhum ser humano pode fazer alguma coisa tão importante que mereça isso. A gente se zanga com as pessoas quando acha que seus atos são importantes. Não sinto mais isso."

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"Você deve sempre manter em mente que um caminho não é mais do que um caminho; se achar que não deve segui-lo, não deve permanecer nele sob nenhuma circunstância. Para ter uma clareza dessas, é preciso levar uma vida disciplinada. Só então você saberá que qualquer caminho não passa de um caminho, e não há afronta, para si nem para os outros, em largá-lo se é isso o que seu coração lhe manda fazer. Mas sua decisão de continuar no caminho ou largá-lo deve ser isenta de medo e de ambição. Eu lhe aviso. Olhe bem para cada caminho, e com propósito. Experimente-o tantas vezes quanto achar necessário. Depois, pergunte-se, e só a si, uma coisa. Essa pergunta é uma que só os muito velhos fazem. Meu benfeitor certa vez me contou a respeito, quando eu era jovem, e meu sangue era forte demais para poder entendê-la. Agora eu a entendo. Dir-lhe-ei qual é: “esse caminho tem coração?” Todos os caminhos são os mesmos: não conduzem a lugar algum. São caminhos que atravessam o mato, ou que entram no mato. Em minha vida posso dizer que já passei por caminhos compridos, mas não estou em lugar algum. A pergunta de meu benfeitor agora tem um significado. Esse caminho tem um coração? Se tiver, o caminho é bom; se não tiver, não presta. Ambos os caminhos não conduzem a parte alguma; mas um tem coração e o outro não. Um torna a viagem alegre; enquanto você o seguir, será um com ele. O outro o fará maldizer sua vida. Um o torna forte; o outro o enfraquece."

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"E assim ele se deparou com o primeiro de seus inimigos naturais: o Medo! Um inimigo terrível, traiçoeiro, e difícil de vencer. Permanece oculto em todas as voltas do caminho, rondando, à espreita. E se o homem, apavorado com sua presença, foge, seu inimigo terá posto um fim à sua busca.
- O que acontece com o homem se ele fugir com medo?
- Nada lhe acontece, a não ser que nunca aprenderá. Nunca se tornará um homem de
conhecimento. Talvez se torne um tirano, ou um pobre homem apavorado e inofensivo; de
qualquer forma, será um homem vencido. Seu primeiro inimigo terá posto um fim a seus desejos.
- E o que pode ele fazer para vencer o medo?
- A resposta é muito simples. Não deve fugir. Deve desafiar o medo, e, a despeito dele, deve dar o passo seguinte na aprendizagem, e o seguinte, e o seguinte. Deve ter medo, e no entanto não deve parar. É esta a regra! E o momento chegará em que seu primeiro inimigo recua. O homem começa a se sentir seguro de si. Seu propósito torna-se mais forte.
(...)
- Isso acontece de uma vez, Dom Juan, ou aos poucos?
- Acontece aos poucos e no entanto o medo é vencido da repente e depressa.
- Mas o homem não terá medo outra vez, se lhe acontecer alguma coisa nova?
- Não. Uma vez que o homem venceu o medo, fica livre dele o resto da vida, porque em vez do medo ele adquiriu a clareza de espírito que apaga o medo. Então, o homem já conhece seus desejos; sabe como satisfazê-los. Pode antecipar os novos passos na aprendizagem e uma clareza viva cerca tudo. O homem sente que nada se lhe oculta.
E assim ele encontra seu segundo inimigo: a Clareza! Essa clareza de espírito, que é tão difícil de obter, elimina o medo, mas também cega. Obriga o homem a nunca duvidar de si. Dá-lhe a segurança de que ele pode fazer o que bem entender, pois ele vê tudo claramente. E ele é corajoso porque é claro e não pára diante de nada porque é claro. Mas tudo isso é um engano; é como uma coisa incompleta. Se o homem sucumbir a esse poder de faz-de-conta, sucumbiu a seu segundo inimigo e tateará com a aprendizagem.Vai precipitar-se quando devia ser paciente, ou vai ser paciente quando
devia precipitar-se. E tateará com a aprendizagem até acabar incapaz de aprender mais qualquer coisa.
- O que acontece com um homem que é derrotado assim, Dom Juan? Ele morre por isso?
- Não, não morre. Seu inimigo acaba de impedi-lo de se tornar um homem de conhecimento; em vez disso, o homem pode tornar-se um guerreiro valente, ou um palhaço. No entanto, a clareza, pela qual ele pagou tão caro, nunca mais se transformará de novo em trevas ou medo. Será claro enquanto viver, mas não aprenderá nem desejará nada.
- Mas o que tem de fazer para não ser vencido?
- Tem de fazer o que fez com o medo: tem de desafiar sua clareza e usá-la só para ver, e esperar com paciência e medir com cuidado antes de dar novos passos; deve pensar, acima de tudo, que sua clareza é quase um erro. E virá um momento em que ele compreenderá que sua clareza era apenas um ponto diante de sua vista. E assim ele terá vencido seu segundo inimigo, e estará numa posição em que nada mais poderá prejudicá-lo. Isso não será um engano. Não será um ponto diante da vista. Será o verdadeiro poder."

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Vassala Sananda e o Mundo Invertido

Era um lugar muito escuro. E como era escuro aquele lugar. Era como a realidade invertida de um antigo prédio comercial que visitei em outros tempos. A versão fantasmagórica de todo o cenário retratada em cores mortas. Um mundo alternativo erguido em meio à ferrugem, lodo e decomposição. Quando estive ali, as trepadeiras eram verdes, eu lembro. Dois crocodilos moravam no átrio externo, e duas onças também. Mas tudo estava diferente... Não havia qualquer animal, ou trepadeira. A sombra da morte encobriu aquele lugar e fez dele sua morada.

O antigo edifício sucumbia qual um gigante morfético, irreversivelmente tomado pela noite perniciosa. Ali dentro o coração da treva pulsava e irradiava pavor pelos corredores, que eram como o sistema venoso de um grande organismo maligno. A escuridão exalava seu hálito frio de brumas e miasmas, enevoando toda a atmosfera. Ao meu lado, dezenas de vultos humanos vagavam sem destino ou entendimento, esbarrando uns nos outros. Nada mais eram que figuras indistintas... Silhuetas irreconhecíveis na penumbra... Almas enfraquecidas, drenadas, prestes a expirar naquela imitação do Hades mitológico.

Eu caminhava entre espectros com uma infinda sensação de risco. O medo era o único combustível que mantinha acesa em mim a fagulha de minha existência. Noutra ocasião eu me encolheria em um canto com os olhos fechados, a espera de socorro ou de uma morte menos fatídica. Entretanto, meu corpo buscava a saída daquele lugar como um afogado procura pela superfície das águas que o cobrem... Como um enforcado busca fôlego urgente... Num espasmo involuntário de ímpeto. Num reflexo incontrolável de ante mover...

Meus seis sentidos alertavam cada célula do meu corpo para o perigo que ali habitava. E minha intuição estava certa!!! No claustrofóbico labirinto de corredores, havia uma terrível e mortal criatura. Ao buscar uma saída, deparei-me com ela. Assemelhava-se ao Monstro do Pântano, pois seu corpo parecia uma fusão imprecisa de lama e vegetação. Era bípede, e mesmo com sua postura curvada media quase três metros de altura. Apesar da inconsistência de sua forma física, era possível distinguir suas garras longas e pontiagudas, capazes de estraçalhar um tronco humano num só golpe. Embora não pudesse ver sua face, tinha certeza que sua mandíbula era igualmente fatal, pois seus grunhidos eram aterradores e ecoavam por todos os cantos.  Seu passo era lento e arrastado, mas todos os caminhos levavam ao Monstro sentinela. Era como se fosse onipresente.

Que lugar amaldiçoado era aquele?! O que eu fiz para merecer tal destino?! Perguntava-me a todo o momento se havia morrido e ido direto para as dimensões infernais. Corri até a completa exaustão. Meus pulmões estavam prestes a explodir e minhas pernas falharam. Tombei de joelhos a hiperventilar. Quando me vi a beira de um ataque de pânico, um vulto sussurrou em meu ouvido como uma brisa evanescente: “Quando vir a criatura, invoque Vassala Sananda aos quatro cantos da Terra”. Não entendi o significado daquelas palavras, e elas engasgaram em minha boca desidratada. Mas bastou-me ver o Monstro para levantar-me com urgência e proferir o encantamento quatro vezes, uma para cada ponto cardeal. Funcionou. O ser assombroso se foi de imediato.

Levantei-me e segui meu caminho a invocar Vassala Sananda sempre que o Monstro aparecia. De início isso me trouxe imensurável alívio. No entanto, acabei por descobrir que dali não havia saída. E que a mim estava reservado o mesmo fim que aqueles espectros: vagar na obscuridade para todo o sempre, clamando pelo nome de um ser que nunca conheci face a face. Isso me amargurou. Mas com o tempo percebi que no antigo mundo ao qual um dia pertenci não era tão diferente. Eu já estava acostumada a caminhar entre monstros. E também a afastá-los com minhas orações. 

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O louco disso tudo é que ouvi esse nome "Sananda" em um sonho, e ao pesquisar sobre ele descobri que era a denominação de um "novo cristo" extraterrestre que possui alguns seguidores ao redor do mundo. Acho que estão tentando me recrutar para a gênese da Nova Era kkkk...

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Sim. Esse conto é uma alusão bem evidente a StrangerThings. Não pude evitar.

ETERNA MÁGOA – poema de Augusto dos Anjos

O homem por sobre quem caiu a praga Da tristeza do mundo, o homem que é triste Para todos os séculos existe E nunca mais o seu pesar se a...