"Você deve sempre manter em mente que um caminho não é mais do que um caminho; se achar que não deve segui-lo, não deve permanecer nele sob nenhuma circunstância. Para ter uma clareza dessas, é preciso levar uma vida disciplinada. Só então você saberá que qualquer caminho não passa de um caminho, e não há afronta, para si nem para os outros, em largá-lo se é isso o que seu coração lhe manda fazer. Mas sua decisão de continuar no caminho ou largá-lo deve ser isenta de medo e de ambição. Eu lhe aviso. Olhe bem para cada caminho, e com propósito. Experimente-o tantas vezes quanto achar necessário. Depois, pergunte-se, e só a si, uma coisa. Essa pergunta é uma que só os muito velhos fazem. Meu benfeitor certa vez me contou a respeito, quando eu era jovem, e meu sangue era forte demais para poder entendê-la. Agora eu a entendo. Dir-lhe-ei qual é: “esse caminho tem coração?” Todos os caminhos são os mesmos: não conduzem a lugar algum. São caminhos que atravessam o mato, ou que entram no mato. Em minha vida posso dizer que já passei por caminhos compridos, mas não estou em lugar algum. A pergunta de meu benfeitor agora tem um significado. Esse caminho tem um coração? Se tiver, o caminho é bom; se não tiver, não presta. Ambos os caminhos não conduzem a parte alguma; mas um tem coração e o outro não. Um torna a viagem alegre; enquanto você o seguir, será um com ele. O outro o fará maldizer sua vida. Um o torna forte; o outro o enfraquece."
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"E assim ele se deparou com o primeiro de seus inimigos naturais: o Medo! Um inimigo terrível, traiçoeiro, e difícil de vencer. Permanece oculto em todas as voltas do caminho, rondando, à espreita. E se o homem, apavorado com sua presença, foge, seu inimigo terá posto um fim à sua busca.
- O que acontece com o homem se ele fugir com medo?
- Nada lhe acontece, a não ser que nunca aprenderá. Nunca se tornará um homem de
conhecimento. Talvez se torne um tirano, ou um pobre homem apavorado e inofensivo; de
qualquer forma, será um homem vencido. Seu primeiro inimigo terá posto um fim a seus desejos.
- E o que pode ele fazer para vencer o medo?
- A resposta é muito simples. Não deve fugir. Deve desafiar o medo, e, a despeito dele, deve dar o passo seguinte na aprendizagem, e o seguinte, e o seguinte. Deve ter medo, e no entanto não deve parar. É esta a regra! E o momento chegará em que seu primeiro inimigo recua. O homem começa a se sentir seguro de si. Seu propósito torna-se mais forte.
(...)
- Isso acontece de uma vez, Dom Juan, ou aos poucos?
- Acontece aos poucos e no entanto o medo é vencido da repente e depressa.
- Mas o homem não terá medo outra vez, se lhe acontecer alguma coisa nova?
- Não. Uma vez que o homem venceu o medo, fica livre dele o resto da vida, porque em vez do medo ele adquiriu a clareza de espírito que apaga o medo. Então, o homem já conhece seus desejos; sabe como satisfazê-los. Pode antecipar os novos passos na aprendizagem e uma clareza viva cerca tudo. O homem sente que nada se lhe oculta.
E assim ele encontra seu segundo inimigo: a Clareza! Essa clareza de espírito, que é tão difícil de obter, elimina o medo, mas também cega. Obriga o homem a nunca duvidar de si. Dá-lhe a segurança de que ele pode fazer o que bem entender, pois ele vê tudo claramente. E ele é corajoso porque é claro e não pára diante de nada porque é claro. Mas tudo isso é um engano; é como uma coisa incompleta. Se o homem sucumbir a esse poder de faz-de-conta, sucumbiu a seu segundo inimigo e tateará com a aprendizagem.Vai precipitar-se quando devia ser paciente, ou vai ser paciente quando
devia precipitar-se. E tateará com a aprendizagem até acabar incapaz de aprender mais qualquer coisa.
- O que acontece com um homem que é derrotado assim, Dom Juan? Ele morre por isso?
- Não, não morre. Seu inimigo acaba de impedi-lo de se tornar um homem de conhecimento; em vez disso, o homem pode tornar-se um guerreiro valente, ou um palhaço. No entanto, a clareza, pela qual ele pagou tão caro, nunca mais se transformará de novo em trevas ou medo. Será claro enquanto viver, mas não aprenderá nem desejará nada.
- Mas o que tem de fazer para não ser vencido?
- Tem de fazer o que fez com o medo: tem de desafiar sua clareza e usá-la só para ver, e esperar com paciência e medir com cuidado antes de dar novos passos; deve pensar, acima de tudo, que sua clareza é quase um erro. E virá um momento em que ele compreenderá que sua clareza era apenas um ponto diante de sua vista. E assim ele terá vencido seu segundo inimigo, e estará numa posição em que nada mais poderá prejudicá-lo. Isso não será um engano. Não será um ponto diante da vista. Será o verdadeiro poder."

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