segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Viajantes astrais

O relógio marcava 3:23 da madrugada. Após assistir uma sequência de vitórias de Mike Tyson, fui nocauteada pelo sono. Dei um beijo de boa noite em meu namorado. Abracei-o por trás e enterrei meu rosto em suas costas, como de costume. Mergulhei imediatamente nas escuras dimensões do sono. No entanto, não tardou até que eu despertasse daquela confortável inconsciência. Embora minhas pálpebras estivessem cerradas e todo o cômodo revestido de profunda escuridão, meus olhos astrais estavam perfeitamente abertos. Logo soube que estava tendo uma paralisia do sono. Tentei levantar, mas não pude me mover um milímetro sequer. Senti que a mão carnal de meu namorado envolvia a minha, e o contato com sua pele me tranquilizou. Aceitei aquela condição e resolvi tentar uma projeção astral.

Controlei a respiração e foquei na intenção de sair do corpo. Meus membros começaram formigar de forma bem peculiar. Senti meu "eu astral" se desprendendo do físico... e foi se distanciando... distanciando... Logo não pude mais sentir a mão de meu companheiro, e a sensação de segurança foi desaparecendo à medida em que me afastava do seu toque. A cama sob meu corpo parecia ter desaparecido e a escuridão se sobressaia sobre todas as coisas. Senti-me flutuando e tudo ficou ainda mais confuso quando comecei a ouvir o som desconexo de muitas vozes. Era como se dezenas de homens, mulheres e crianças falassem ao mesmo tempo. No entanto, as suas palavras não eram direcionadas a mim. Suas vozes, embora humanas, lembravam-me o som de um tecido exposto a rajadas fortes de vento.

Fui acometida pela inevitável angústia de sempre ao sentir que não estávamos sozinhos naquele cômodo. "E se algum espírito me aprisionar para sempre nessas dimensões? E se houver dentre os viajantes astrais um demônio mau? Se eu nunca mais conseguir voltar para meu corpo?". Logo perdi o controle e comecei a lutar contra aquilo. Tentava abrir os olhos, mas as pálpebras pareciam estar coladas. Podia senti-las tremendo com todo meu vão esforço. Meus dedos pareciam pesar toneladas e minhas pernas estavam completamente inválidas. Esperava que meu namorado pudesse ouvir meus gemidos mudos. No entanto, eu sabia todo esforço físico seria inútil. Eu bem sabia como aquilo funcionava...

Embora temesse o plano astral e seus ruídos, que vez ou outra pareciam a voz gutural dos mais obscuros espíritos, tentei recobrar a calma. Resolvi me projetar novamente. Levaria meu amado comigo, e juntos desbravaríamos aquelas dimensões místicas. Com ele ao meu lado, nada me assustaria... Nem a atmosfera lúgubre... nem as silhuetas disformes... nem o vozerio sinistro.

- Diogo... Diogo..! - clamei com minha voz espiritual.

Ele dormia profundamente e não me ouviu.
Concentrei-me com todo empenho, e algo mágico aconteceu.
Podia ver meus belos braços astrais: translúcidos, cintilantes, dotados de cósmico e leitoso e brilho. Eram encantadores, fascinantes.

Toquei a face de meu companheiro e penetrei sua pele. Com as mãos em forma de concha, envolvi seu rosto astral e trouxe para fora de seu corpo físico. Era lindo e iluminado, assim como eu. Perdi-me em admiração por tamanha beleza. Todavia, ele estava conectado ao seu corpo de uma forma que não me era permitido intervir. Aquela devia ser a proteção divina que impede outros espíritos de se apoderarem de corpos que não são seus. Aceitei aquela limitação e vi o quão desrespeitosa e egoísta tinha sido minha atitude. Soltei seu rosto imediatamente e me afastei.

Tudo ficou escuro, e confuso, e turbulento novamente. Temi os vultos que passavam velozes à minha volta. Mais uma vez eu não seria forte o suficiente e me deixaria dominar pelo medo. Mais uma vez eu clamaria a Deus para que me tirasse daquela condição.

Desesperada, comecei a chamar o sagrado nome.
"Deus! Deus! Deusssss!"

Aos poucos, minhas súplicas mudas foram se tornando audíveis e acordei num supetão, com o rosto inundado de lágrimas. Meu namorado acordou com meu choro e logou tratou de tranquilizar-me no ninho de seus braços. Todavia, demora certo tempo até cruzar a fronteira dos dois mundos. Eu sabia que se fechasse meus olhos precipitadamente seria sugada para o astral mais uma vez. É como se o corpo ficasse aberto. Dá até para sentir a atmosfera espiritual e as presenças invisíveis que espreitam. Quando tive a certeza de estar completamente inserida no plano físico, entreguei-me novamente ao sono, dessa vez profundo e duradouro.

Ao acordar na manhã seguinte, emburrei-me por ter perdido o controle mais uma vez. O dom de viajar no astral oferece possibilidades infindas aos que o tem e eu desperdicei mais uma vez. No entanto, fiquei maravilhada ao saber que meu namorado também tinha vivenciado uma paralisia. Provavelmente eu fiz com que ele cruzasse a fronteira. Não tenho certeza se isso é bom ou ruim para ele. Mas a possibilidade de ter ao meu lado um viajante astral a quem amo e confio tornou minhas expectativas bem mais positivas.

3 comentários:

  1. O medo de viagens astrais eh bem compreensível... Quanto mais lúcidas forem as viagens, mais respostas teremos acerca de tudo. Mas o difícil eh conseguir trazer informações suficientes e traduzi-las para este mundo.

    ResponderExcluir
  2. O medo de viagens astrais eh bem compreensível... Quanto mais lúcidas forem as viagens, mais respostas teremos acerca de tudo. Mas o difícil eh conseguir trazer informações suficientes e traduzi-las para este mundo.

    ResponderExcluir
  3. É difícil se encontrar palavras para traduzir os sentimentos, ou até transmitir a informação sem a perca de alguns caracteres q só nós vivenciamos.... Sou um viajante do tempo... um viajante da ilusão... e tenho a melhor companhia para todas as viagens... seja realidade ou ilusão, sempre estarei com você na direção dos seus sonho...
    Diogo

    ResponderExcluir

ETERNA MÁGOA – poema de Augusto dos Anjos

O homem por sobre quem caiu a praga Da tristeza do mundo, o homem que é triste Para todos os séculos existe E nunca mais o seu pesar se a...