terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Patético circo humano

A grama do jardim continua a crescer num ritmo invariavelmente rápido. As ervas daninhas insistem em brotar dos mais inóspitos orifícios. Enroscam-se, invadem. Como arabescos sem fim... A folhagem seca se precipita para dar lugar à nova fronde. A mim, resta observar da janela a desordem instaurada em meu quintal. Não posso interferir em tal ciclo. Que faria eu? Decretaria o fim da revolução natural? Deceparia os braços das árvores por tamanha anarquia? Asfixiaria a pobre grama sob duas ou mais camadas de concreto? Longe de mim! Seria mais fácil lidar com o pulsar de um coração delator escondido no assoalho que manter a Natureza refém em minhas terras. “Minhas terras”...

Debruço-me na janela, e inicio a minha mais corriqueira reflexão sobre a retrospectiva do ser humano na Terra. Sobre como viemos a existir ocasionalmente, e desde este fatídico momento, procriamos sem cessar. Nossa prole tornou-se incontável como as estrelas do céu... Como a areia do mar... Dominamos o fogo e criamos diversos outros instrumentos para subjugar o mundo. Como verdadeiros parasitas, seguimos esgotando todos os recursos ao nosso alcance. Delimitamos espaços com muros e fronteiras invisíveis. Propriedades, cidades, estados, países... Ferimos a selva e criamos estradas, como cupins e outras pragas fazem nas árvores até que apodreçam por completo. Povoamos a terra como um câncer se instala num organismo vivo. Nossas civilizações continuam se expandindo como uma metástase agressiva e fatal. A Terra vai ficando mais doente a cada dia, e às vezes eu choro por isso. Culpo a mim e meus semelhantes, embora saiba que muitos parasitas não tenham ciência de sua verdadeira condição.

Grito em silêncio, pois é crime incomodar os vizinhos. Agonizo, sem saber o que fazer ou a quem recorrer. Estamos todos no mesmo barco. Meus pais me domesticaram bem cedo, quando eu ainda era um filhotinho vulnerável e dependente. Ensinaram-me dezenas de regras de comportamento e assepsia. Proibiram-me de subir em árvores e fazer muitas coisas que os outros animais fazem. Disseram-me que eu era onívora, e que isso era natural do ser humano. Além disso, eu teria de lavar as mãos antes de comer. Perguntavam-me a todo tempo o que eu queria ser quando crescesse. Aparentemente eu não seria nada, até desempenhar uma função social. Então me matricularam em uma escola para auxiliar em meu processo de adestramento. Lá aprendi de tudo um pouco para que, ao longo de 18 anos eu descobrisse como poderia servir melhor a sociedade. No processo, ensinaram-me diversas operações aritméticas que ainda não tive oportunidade de usar. Decorei a fórmula de Bhaskara, o valor do Pi e uma infinidade de conceitos que, segundo os professores, eram de extrema importância. Infelizmente, não me ensinaram a criar um abrigo para me proteger do sol e da chuva. Não me deram qualquer instrução sobre como sobreviver na ausência dos recursos e artefatos humanos. Suspeito que haja uma grande conspiração da qual não posso me desvencilhar. Grito em silêncio. E simplesmente continuo a existir.

Desconfio que tudo que parece necessário, não passa de engodo e simulacro de satisfação. A mídia nos enfia goela abaixo que não basta sobreviver neste mundo. Ora! Além de ter nossas necessidades genuínas atendidas, é preciso ter uma sensação perene de bem estar e aconchego. Para suprir tal demanda, existe o complexo mercado e seus mil nichos para assistir cada particularidade humana. Por mais fútil que seja.  Porque não basta comer uma galinha ou um boi. É também preciso comer ovas do mais exótico peixe, que nada nas mais profundas águas do fim do mundo. Não basta que tenhamos unhas eficientes. Elas precisam ter cores diferentes pelo menos duas vezes ao mês. Porque simplesmente não basta termos corpos sadios. É preciso que eles tenham medidas que foram padronizadas por um desconhecido. É proibido ter cutículas, celulites, seios flácidos, estrias, cabelos brancos, joanetes, marcas de expressão, pelos no nariz e outras mil coisas que são naturais do ser humano. Temos que lutar pelo que não temos e contra o que temos. Tornamos-nos escravos miseráveis de tendências que só existem porque as aceitamos. E é patético como nos esforçamos para nos tornarmos engrenagens perfeitas de um sistema decadente, que mal se sustenta. É desesperador de tal forma que até as religiões falharam em tentar combater essas inquietações. O que resta é um profundo mal estar no interior de cada ser humano.

O homem conceituou como caos tudo aquilo que, em sua limitada percepção, encontra-se fora de ordem ou alheio ao seu controle. Mas desde o princípio o caos é mais irrefutável lei natural que rege o universo. Todos estamos sujeitos a essa lei. Mas preferimos resistir, ansiosos e infelizes. Maquiando o mundo, delimitando espaços, cortando a grama do jardim, aparando os pelos do corpo e aniquilando os insetos que invadem nossos castelos de ilusão. 

sábado, 5 de novembro de 2016

Revelações - Psilocybe Cubensis Ecuador

Reencontrei minha profunda essência, minha deusa interior. Comi da carne que nunca falha. Os sagrados cogumelos me mostraram o que precisava ser visto. E quando fechei meus olhos, tudo pude ver.

- Meu interior tinha a cor de tangerina. E sobre aquele impenetrável e sólido plano laranja se formavam mandalas e hieróglifos aparentemente egípcios. Não pude traduzi-los. Não possuo instrução para fazê-lo. Mas pude discernir em termos práticos o que a cor avermelhada deles significava para mim. O laranja, de certo representava minha vitalidade, energia telúrica e pureza espiritual. O vermelho, por sua vez, mostrou que há um emaranhado de confusão, impulsividade e ignorância, com o qual não tenho sabido lidar. Essa revelação me pareceu boa, pois é a confirmação de minhas auto-análises. É um alerta para que eu lute contra o que me corrompe;
- Vi preto, mas não em mim. Um terrível plano de fundo cinza cortado por raios negros. Prefiro não falar sobre isso;
- Mostraram-me um ser de língua falsa, que destila veneno e peçonha.
- Disseram-me que eu tinha lindos cabelos negros. Não era correto nem justo me maldizer.

Sinto-me grata pela carne que nunca falha.

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Ensinamentos de Don Juan Matus

"Nunca me zango! Nenhum ser humano pode fazer alguma coisa tão importante que mereça isso. A gente se zanga com as pessoas quando acha que seus atos são importantes. Não sinto mais isso."

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"Você deve sempre manter em mente que um caminho não é mais do que um caminho; se achar que não deve segui-lo, não deve permanecer nele sob nenhuma circunstância. Para ter uma clareza dessas, é preciso levar uma vida disciplinada. Só então você saberá que qualquer caminho não passa de um caminho, e não há afronta, para si nem para os outros, em largá-lo se é isso o que seu coração lhe manda fazer. Mas sua decisão de continuar no caminho ou largá-lo deve ser isenta de medo e de ambição. Eu lhe aviso. Olhe bem para cada caminho, e com propósito. Experimente-o tantas vezes quanto achar necessário. Depois, pergunte-se, e só a si, uma coisa. Essa pergunta é uma que só os muito velhos fazem. Meu benfeitor certa vez me contou a respeito, quando eu era jovem, e meu sangue era forte demais para poder entendê-la. Agora eu a entendo. Dir-lhe-ei qual é: “esse caminho tem coração?” Todos os caminhos são os mesmos: não conduzem a lugar algum. São caminhos que atravessam o mato, ou que entram no mato. Em minha vida posso dizer que já passei por caminhos compridos, mas não estou em lugar algum. A pergunta de meu benfeitor agora tem um significado. Esse caminho tem um coração? Se tiver, o caminho é bom; se não tiver, não presta. Ambos os caminhos não conduzem a parte alguma; mas um tem coração e o outro não. Um torna a viagem alegre; enquanto você o seguir, será um com ele. O outro o fará maldizer sua vida. Um o torna forte; o outro o enfraquece."

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"E assim ele se deparou com o primeiro de seus inimigos naturais: o Medo! Um inimigo terrível, traiçoeiro, e difícil de vencer. Permanece oculto em todas as voltas do caminho, rondando, à espreita. E se o homem, apavorado com sua presença, foge, seu inimigo terá posto um fim à sua busca.
- O que acontece com o homem se ele fugir com medo?
- Nada lhe acontece, a não ser que nunca aprenderá. Nunca se tornará um homem de
conhecimento. Talvez se torne um tirano, ou um pobre homem apavorado e inofensivo; de
qualquer forma, será um homem vencido. Seu primeiro inimigo terá posto um fim a seus desejos.
- E o que pode ele fazer para vencer o medo?
- A resposta é muito simples. Não deve fugir. Deve desafiar o medo, e, a despeito dele, deve dar o passo seguinte na aprendizagem, e o seguinte, e o seguinte. Deve ter medo, e no entanto não deve parar. É esta a regra! E o momento chegará em que seu primeiro inimigo recua. O homem começa a se sentir seguro de si. Seu propósito torna-se mais forte.
(...)
- Isso acontece de uma vez, Dom Juan, ou aos poucos?
- Acontece aos poucos e no entanto o medo é vencido da repente e depressa.
- Mas o homem não terá medo outra vez, se lhe acontecer alguma coisa nova?
- Não. Uma vez que o homem venceu o medo, fica livre dele o resto da vida, porque em vez do medo ele adquiriu a clareza de espírito que apaga o medo. Então, o homem já conhece seus desejos; sabe como satisfazê-los. Pode antecipar os novos passos na aprendizagem e uma clareza viva cerca tudo. O homem sente que nada se lhe oculta.
E assim ele encontra seu segundo inimigo: a Clareza! Essa clareza de espírito, que é tão difícil de obter, elimina o medo, mas também cega. Obriga o homem a nunca duvidar de si. Dá-lhe a segurança de que ele pode fazer o que bem entender, pois ele vê tudo claramente. E ele é corajoso porque é claro e não pára diante de nada porque é claro. Mas tudo isso é um engano; é como uma coisa incompleta. Se o homem sucumbir a esse poder de faz-de-conta, sucumbiu a seu segundo inimigo e tateará com a aprendizagem.Vai precipitar-se quando devia ser paciente, ou vai ser paciente quando
devia precipitar-se. E tateará com a aprendizagem até acabar incapaz de aprender mais qualquer coisa.
- O que acontece com um homem que é derrotado assim, Dom Juan? Ele morre por isso?
- Não, não morre. Seu inimigo acaba de impedi-lo de se tornar um homem de conhecimento; em vez disso, o homem pode tornar-se um guerreiro valente, ou um palhaço. No entanto, a clareza, pela qual ele pagou tão caro, nunca mais se transformará de novo em trevas ou medo. Será claro enquanto viver, mas não aprenderá nem desejará nada.
- Mas o que tem de fazer para não ser vencido?
- Tem de fazer o que fez com o medo: tem de desafiar sua clareza e usá-la só para ver, e esperar com paciência e medir com cuidado antes de dar novos passos; deve pensar, acima de tudo, que sua clareza é quase um erro. E virá um momento em que ele compreenderá que sua clareza era apenas um ponto diante de sua vista. E assim ele terá vencido seu segundo inimigo, e estará numa posição em que nada mais poderá prejudicá-lo. Isso não será um engano. Não será um ponto diante da vista. Será o verdadeiro poder."

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Vassala Sananda e o Mundo Invertido

Era um lugar muito escuro. E como era escuro aquele lugar. Era como a realidade invertida de um antigo prédio comercial que visitei em outros tempos. A versão fantasmagórica de todo o cenário retratada em cores mortas. Um mundo alternativo erguido em meio à ferrugem, lodo e decomposição. Quando estive ali, as trepadeiras eram verdes, eu lembro. Dois crocodilos moravam no átrio externo, e duas onças também. Mas tudo estava diferente... Não havia qualquer animal, ou trepadeira. A sombra da morte encobriu aquele lugar e fez dele sua morada.

O antigo edifício sucumbia qual um gigante morfético, irreversivelmente tomado pela noite perniciosa. Ali dentro o coração da treva pulsava e irradiava pavor pelos corredores, que eram como o sistema venoso de um grande organismo maligno. A escuridão exalava seu hálito frio de brumas e miasmas, enevoando toda a atmosfera. Ao meu lado, dezenas de vultos humanos vagavam sem destino ou entendimento, esbarrando uns nos outros. Nada mais eram que figuras indistintas... Silhuetas irreconhecíveis na penumbra... Almas enfraquecidas, drenadas, prestes a expirar naquela imitação do Hades mitológico.

Eu caminhava entre espectros com uma infinda sensação de risco. O medo era o único combustível que mantinha acesa em mim a fagulha de minha existência. Noutra ocasião eu me encolheria em um canto com os olhos fechados, a espera de socorro ou de uma morte menos fatídica. Entretanto, meu corpo buscava a saída daquele lugar como um afogado procura pela superfície das águas que o cobrem... Como um enforcado busca fôlego urgente... Num espasmo involuntário de ímpeto. Num reflexo incontrolável de ante mover...

Meus seis sentidos alertavam cada célula do meu corpo para o perigo que ali habitava. E minha intuição estava certa!!! No claustrofóbico labirinto de corredores, havia uma terrível e mortal criatura. Ao buscar uma saída, deparei-me com ela. Assemelhava-se ao Monstro do Pântano, pois seu corpo parecia uma fusão imprecisa de lama e vegetação. Era bípede, e mesmo com sua postura curvada media quase três metros de altura. Apesar da inconsistência de sua forma física, era possível distinguir suas garras longas e pontiagudas, capazes de estraçalhar um tronco humano num só golpe. Embora não pudesse ver sua face, tinha certeza que sua mandíbula era igualmente fatal, pois seus grunhidos eram aterradores e ecoavam por todos os cantos.  Seu passo era lento e arrastado, mas todos os caminhos levavam ao Monstro sentinela. Era como se fosse onipresente.

Que lugar amaldiçoado era aquele?! O que eu fiz para merecer tal destino?! Perguntava-me a todo o momento se havia morrido e ido direto para as dimensões infernais. Corri até a completa exaustão. Meus pulmões estavam prestes a explodir e minhas pernas falharam. Tombei de joelhos a hiperventilar. Quando me vi a beira de um ataque de pânico, um vulto sussurrou em meu ouvido como uma brisa evanescente: “Quando vir a criatura, invoque Vassala Sananda aos quatro cantos da Terra”. Não entendi o significado daquelas palavras, e elas engasgaram em minha boca desidratada. Mas bastou-me ver o Monstro para levantar-me com urgência e proferir o encantamento quatro vezes, uma para cada ponto cardeal. Funcionou. O ser assombroso se foi de imediato.

Levantei-me e segui meu caminho a invocar Vassala Sananda sempre que o Monstro aparecia. De início isso me trouxe imensurável alívio. No entanto, acabei por descobrir que dali não havia saída. E que a mim estava reservado o mesmo fim que aqueles espectros: vagar na obscuridade para todo o sempre, clamando pelo nome de um ser que nunca conheci face a face. Isso me amargurou. Mas com o tempo percebi que no antigo mundo ao qual um dia pertenci não era tão diferente. Eu já estava acostumada a caminhar entre monstros. E também a afastá-los com minhas orações. 

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O louco disso tudo é que ouvi esse nome "Sananda" em um sonho, e ao pesquisar sobre ele descobri que era a denominação de um "novo cristo" extraterrestre que possui alguns seguidores ao redor do mundo. Acho que estão tentando me recrutar para a gênese da Nova Era kkkk...

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Sim. Esse conto é uma alusão bem evidente a StrangerThings. Não pude evitar.

sábado, 25 de junho de 2016

Bichos e mais bichos

Sonhei que tentava salvar um pequeno filhote cágado de um risco iminente. Infelizmente, não dependia apenas de mim a árdua missão de protegê-lo. Eu pedia ajuda a várias pessoas, inclusive conhecidos. Todos me ignoravam, e não se importavam com os riscos que eu mencionava. Eu gritava, chorava, ameaçava pedir auxílio de autoridades. Alguns riam de mim. Outros negavam ajuda. Outros mais me desafiavam. Não vi o desfecho da situação, mas o fato é que não consegui tirá-lo das mãos do meu inimigo. Lamentei, e segui meu curso. Comecei a dançar, triste e sozinha.
Enquanto eu dançava, tive a visão de dois crocodilos enormes. Eles me espreitavam, imersos em águas turvas.
O bom é que, para cada vez que sonho com qualquer situação de risco, lá está minha protetora e guia: a onça. Havia duas delas, poderosas, robustas e imponentes.
Isso definitivamente significa algo.

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Também ando sonhando com construções velhas. Com objetos pessoais danificados.
Deus me guarde.

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Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará.
Direi do Senhor: Ele é o meu Deus, o meu refúgio, a minha fortaleza, e nele confiarei.
Porque ele te livrará do laço do passarinheiro, e da peste perniciosa.
Ele te cobrirá com as suas penas, e debaixo das suas asas te confiarás; a sua verdade será o teu escudo e broquel.
Não terás medo do terror de noite nem da seta que voa de dia,.
Nem da peste que anda na escuridão, nem da mortandade que assola ao meio-dia.
Mil cairão ao teu lado, e dez mil à tua direita, mas não chegará a ti.
Somente com os teus olhos contemplarás, e verás a recompensa dos ímpios.
Porque tu, ó Senhor, és o meu refúgio. No Altíssimo fizeste a tua habitação.
Nenhum mal te sucederá, nem praga alguma chegará à tua tenda.
Porque aos seus anjos dará ordem a teu respeito, para te guardarem em todos os teus caminhos.
Eles te sustentarão nas suas mãos, para que não tropeces com o teu pé em pedra.
Pisarás o leão e a cobra; calcarás aos pés o filho do leão e a serpente.
Porquanto tão encarecidamente me amou, também eu o livrarei; pô-lo-ei em retiro alto, porque conheceu o meu nome.
Ele me invocará, e eu lhe responderei; estarei com ele na angústia; dela o retirarei, e o glorificarei.
Fartá-lo-ei com longura de dias, e lhe mostrarei a minha salvação.

Salmos 91:1-16

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Vivendo... Aprendendo... Reaprendendo...

Lute apenas por lutar sem pensar em perda ou ganho, em alegria ou tristeza, em vitória ou em  derrota, pois, agindo desse modo, você nunca pecará. (...) quem segue por esta via de maneira resoluta possui a mente indivisa. Mas a mente do indeciso segue muitas direções. (...) O direito que é devido é o de cumprir a missão e não o de reclamar o resultado da ação. Não considere a si mesmo o objetivo dos seus atos nem se prenda à inação. (...) abandonando o desejo de vitória ou de derrota, execute o seu trabalho sem apego ao resultado. Neste mundo transitório quem não se deixa afetar pelo bem ou pelo mal que poderão sobrevir, sem louvá-lo ou maldizê-lo, já se encontra situado na consciência divina. Aquele que for capaz de retirar os sentidos de todos os seus objetos assim como a tartaruga recolhe os membros no casco, deve ser considerado um ser auto-realizado.

(Bhagavad Gita)

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“Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” 

(Marcos 8:36)

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Meio difícil associar um livro à outro, mas pra mim faz bastante sentido :)

quarta-feira, 2 de março de 2016

A água, a Onça e a Naja

Estávamos em um lugar secreto e incrivelmente belo. Uma paraíso em meio à mata fechada. Um riacho corria abundante sobre o terreno rochoso e as águas soavam como um mantra natural. Mas embora o cenário fosse estonteante, a atmosfera quente, e estivesse sempre envolvida pelos braços daquele que me ama, estava apreensiva. A noite estava vindo, e tínhamos de preparar abrigo. Aquela mata guardava perigos reais. Eu sabia que ali era o lar de uma onça. Podia ver seu vulto rápido por trás da vegetação.  Me identificava com ela. Respeitava e venerava aquele animal majestoso. Como se fizesse parte de mim. Mas também havia uma naja, que espreitava e sibilava em nossa direção. Desta eu tinha medo, mas não me retrai diante de sua presença. Reação tipicamente minha. Permaneci encarando o réptil e ele não nos atacou. O resto do sonho teve um caráter um tanto erótico, e prefiro não escrever sobre.

Analisando este sonho, extrai os elementos mais marcantes para análise:

- A ÁGUA: está associada à essência feminina, às emoções, ao lado yin da natureza humana. À receptividade, sentimento, proteção, segurança, afeto. Curiosamente, sentia que estava segura enquanto estivesse perto do riacho. 

- A ONÇA: é um dos animais que mais admiro e me identifico. É também um forte simbolismo para a essência feminina. Embora seja essencialmente solitária, a onça representa os instintos protetores, a força, a maternidade, reprodução e luta por território. Ela faz sua morada em locais próximos a fontes de água (olha só as confirmações do universo kkkk...). É um animal forte e com grande poder de ataque, uma vez que tem limitações anatômicas em relação aos outros felinos. Por isso, ela precisa ser certeira e fatal em seu ataque, uma vez que não consegue perseguir uma presa por muito tempo. Tem hábitos noturnos (outra "coincidência", pois "a noite estava vindo" ). 

- A NAJA: cobras em geral são animais estigmatizados em se tratar de sonho. É quase um senso comum afirmar que sonhar com esse animal místico é mau agouro. Desde os primórdios ela é sinônimo de engano, traição e ataques ocultos. Ela pode atacar de perto, mas também pode lançar sua peçonha de longe.  No sonho, ela apenas observava esperando o melhor momento para atacar. Segundo os interpretadores, ver uma cobra observando indica que a pessoa que sonha poderá sofrer o ataque inesperado de alguém que não é próximo seu, mas está na iminência de fazer o mal. Normalmente são pessoas que observam nossos declínios e ascensão. De acordo o nosso sucesso, aumentam ainda mais seu ódio. Um outro detalhe é que as najas são animais surdos. O truque dos encantadores consiste em embeber a flauta em urina de rato. Elas são guiadas pelo cheiro e pela vibração. Pode significar que alguém está estudando nossas características e copiando, com a finalidade de levar aquilo que nos pertence de maneira fácil e enganadora. 

- A REVELAÇÃO:
Inimigos querem me destruir, mas como uma onça, tenho a majestade, a força e autoridade em meu território. 
Ao digitar esse texto, atentei para uma música religiosa que estava tocando no som da loja. Meus ouvidos se abriram exatamente nesse trecho: 

"Se ferramenta contra ti foi preparada, fica tranquilo, Deus te livra da cilada."

Livrai-me, oh Deus, dos inimigos ocultos e dos declarados. Livrai-me de minhas próprias fraquezas e não me deixe ter medo. Livrai a mim e aqueles que amo também. Certa de Tua providência. Amém!

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Escorpião

Achei essa descrição no site  Mistérios Antigos e achei muito "eu". Quase tudo bate :D Engraçado que há alguns anos, quando li pela primeira vez essa descrição, achei que metade das coisas não condiziam com minha personalidade. Acho que eu era um pequeno escorpiãozinho em formação. Agora tô crescendo, ficando mais forte, conhecedora de meus defeitos e atributos.

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Incapaz de viver muito tempo na calma, apaixonado por transformações, é ansioso e exigente. Dá  tudo de si em situações difíceis. Sente-se diferente dos outros, tem dificuldade em se integrar, ainda mais porque raramente está livre de tensão.

Lúcido, espírito penetrante, crítico e perspicaz. Percebe nos outros o "defeito da couraça".
Não gosta de ser contrariado, nem que indaguem dos seus motivos. Força situações, perspicaz, sutil, ardente, leal. Ajuda-se, se quiser, e aos outros. Vingativo, antagônico, sarcástico, violento. Bom julgamento. Também quer segurança emocional. Tudo ou nada.

Não esquece quem lhe ajuda, nem quem lhe prejudica.

Pode prejudicar a saúde com atividade derrotista, melancolia, excesso de trabalho ou de qualquer coisa. Poder de recuperação surpreendente. Garganta, nariz e órgãos reprodutores vulneráveis, varizes e hemorragias nasais.

Seus desafios são constantes, principalmente nas áreas financeiras e sexual. Deve aprender a dar, receber e compartilhar recursos e prazeres. Ambicioso não aparente, espera oportunidade e pega-a imediatamente. Se usar seu grande potencial pode tornar-se pessoa influente.

Corpo: Energia concentrada na expressão física, inquietação motora. Atrai acidentes e morte brusca. Propensões auto-destrutivas com grande poder regenerativo.

Psique: Ação das emoções sobre a base corporal. Inserção rebelde do ego aos contextos convencionais. Audácia provocativa; caráter anti-conformista e criativo. Temperamento vital-motor; humor paradoxal. Pensamento engenhoso, de fluxo intermitente e conteúdo experimental; concentração dispersiva, memória seletiva. Gostos elaborados, hábitos inusitados; moral transformadora. Impulsos primários de rebelião criativa. Tendência à imprudência.

Afetividade: Sensível e erótica. Sensualidade experimental intelectualizada. Paixões ardentes e possessivas; emoções e sentimentos poderosos e imaginativos. Busca do novo e impensado. Amor ciumento, obstinado e rancoroso.

Prevalecem a transmutação, a análise e a decomposição, o sentimento da finalidade, a ação passional no meio exterior.

Está ligado à ousadia, determinação, perspicácia e criatividade, mas também ao autoritarismo, angústia, revolta e sadomasoquismo.

Sua missão e seu Dom nesta vida
A Tí, Deus deu uma tarefa muito difícil. Terás a habilidade de conhecer a mente dos homens, mas não te concedeu a permissão para falar sobre o que aprenderes. Muitas vezes te sentirás ofendido por aquilo que vês, e em tua dor te voltarás contra Deus, esquecendo que não é Ele, mas a perversão da Idéia Divina, o que te faz sofrer. Verás tanto e tanto do homem enquanto animal, e lutarás tanto com os instintos em Tí mesmo, que perderás o teu caminho; mas quando finalmente voltares, Deus terá para tí o dom supremo da finalidade.

Referência anatômica: genitais.
Remédio de fundo: calcaria sulfúrica.
Ervas harmonizantes: ginseng, guaraná, manjericão.

Incensos: Almíscar, Ópium e Eucalipto.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Eloquências da alma

Alternativas que dignificam a existência do homem na terra: entregar-se por inteiro aos instintos ou alcançar a iluminação.


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O chamado da selva

No fim daquela tarde cinza ela ouviu o chamado. Abandonou seu lar sem se despedir dos que ficaram. Não escreveu sequer uma nota. Lá deixou tudo que tinha: carro, celular, o extrato de contas a pagar. Deixou para trás sua caixa de recordações e até a mais íntima veste. Seguiu nua pela rodovia principal da cidade. Não demorou até que um coro de buzinas explodisse e uma dezena de carros parasse no acostamento da pista. Ela não parou. Continuou a caminhar em sua ausência de caminhos, completamente absorta aos flashs e gracejos despudorados.

Era fêmea feroz. Mais valente que qualquer um daqueles machos destituídos da alfa essência. Patéticos. Eles se limitavam a empunhar seus celulares, ao invés de lutar por um possível coito. Suas mãos fragilizadas pelos hábitos saudáveis da modernidade não eram aptas para tal. Para eles, mais valia o registro perfeito da nudez feminina que a satisfação do genuíno instinto. Ao fim daquele episódio, eles voltariam para o aconchego de suas casas, para suas esposas e famílias. Compartilhariam as gravações em suas redes sociais diretamente do conforto de seus banheiros assépticos. As nádegas sobre a porcelana fria dos aparelhos sanitários. Os membros flácidos entre as pernas desnudas.

Uma senhora religiosa tentou cobri-la com um manto, mas ela rejeitou. Não desejava aquele tipo de auxílio. Não queria mais se sujeitar aos princípios de vida em sociedade, seguir padrões de comportamento, aprisionar-se em vestimentas sob medida, esculpir um corpo desejável, conquistar um bom emprego, agir de forma conveniente, servir a um deus, construir uma família, pagar impostos, contribuir para o crescimento de sua nação. Não! Queria viver como os animais. Sem precisar maquiar os instintos para perpetuar a ilusão humana. Sem chamar de amor as estratégias da natureza.

Indignara-se sobre como o homem dificultara a própria vida na terra criando tantas nomenclaturas e padrões de comportamento, quando na verdade a vida deveria ser simples e natural. Enfurecera-se contra as amarras invisíveis criadas pelo próprio ser humano.

Cansara da interminável luta por domínio emocional, territorial e material. De treinar sua mente exausta para conquistar um espaço na Terra que sempre fora sua. Da obrigação de ter um guarda-roupa repleto de roupas para várias ocasiões. Para confraternizar-se com o próprio homem, que por baixo das vestes nada mais é que um agregado de músculos e água. Assim como ela.

Entendera que o ser humano de nada precisava além do que a natureza oferece gratuitamente. Os frutos das árvores, a água dos rios, a carne dos outros animais. Tudo orgânico, de fácil decomposição, transmutável em energia e adubo. Em contrapartida, o produto do ser humano é intragável pela terra. Ele abarrota o planeta com o lixo oriundo de suas criações aparentemente necessárias. Vai a um fast food e sai de lá com duas sacolas. Dentro de uma delas, um recipiente que comporta a comida, por vezes envolvida em outro saquinho protetor. Na outra, uma lata contendo qualquer bebida industrializada, canudos para não tocar a superfície com a boca, e copos para compartilhar o líquido. Lenços para segurar o alimento nas mãos, guardanapos para limpar os lábios. Ao fim de tudo, uma sacola para guardar o que sobrar. E o produto inútil oriundo de uma simples refeição parece deixar de existir ao entrar nas mágicas dimensões de uma lata de lixo. Mas ele não desaparece. Os homens que fecham os olhos para o sofrimento do planeta, dos animais racionais e irracionais. Continuam criando lixo, precificando o que é direito natural de todos, criando padrões de qualidade que tornam os alimentos cada vez mais caros inacessíveis. Delimitando territórios cuja área é bem superior ao que de fato, necessitam. Cortando árvores que abrigam milhares de animais para construir suas confortáveis residências para famílias de quatro ou cinco membros. Ora... Os mais agressivos leões conseguem viver e dormir lado a lado. Já o ser humano é tão repulsivo e hostil que precisa acomodar-se em cômodos separados por paredes.

Racionalizou que, embora os benefícios da ciência pareçam excelentes ao prolongar a existência do homem, tal avanço era equivocado e nocivo para todos os ecossistemas. Que o planeta não é capaz de suportar o ritmo de reprodução humano associado ao aumento da longevidade. Para tal, o ideal é que tivéssemos a expectativa de vida de um cão. No entanto, vivemos como tartarugas e nos reproduzimos como coelhos.

Ao perceber aquilo, passou a ver o que era real por trás de tantas ilusões. Despertara seu animal interior. Ouvira o chamado da selva. Tudo que parecia necessário e lógico caíra por terra naquela tarde cinza. E quando a noite veio, ela já era um animal completo. Não sucumbiria junto aos demais seres humanos. Não sufocaria o eco selvagem de seu peito. Tornou-se livre. E o único antídoto para aquilo era morte.


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Obs.: Desculpa, Jack London... Mas o único título que cabe a esse texto é esse.

sábado, 30 de janeiro de 2016

Peixes

No sonho, eu estava em uma praia muito bonita. De olhos fechados, sentia as mãos do vento acariciar meu corpo bronzeado. Era gostoso estar ali sentada na areia, à meia sombra de uma choupana, à meia luz do Sol. Estava realmente muito agradável, e eu poderia ficar ali para sempre. Até que eu abri meus olhos e vi ao longe um peixe se debatendo na areia. Imediatamente levantei e corri para junto do animal, que agonizava em busca de água. Sem receio e ansiosa para ajudá-lo a voltar ao mar, tentei segurá-lo com as mãos. No entanto, ele pulou no segundo seguinte. Tentei novamente agarrá-lo, mas ele sempre pulava de minhas mãos, escorregadio. Comecei a me desesperar, pois aquela era uma luta contra o tempo, uma luta pela vida daquele animal burro que negava meu auxílio. Em vão. Acabei por perdê-lo. Não sei se morreu ou se voltou ao mar. Ele simplesmente sumiu em meio à areia dourada e eu não pude mais encontrá-lo. Frustrada e cabisbaixa, sai caminhando pela beira mar. A água cristalina daquela praia era até reconfortante... Caminhei, caminhei, até que vi uma forma escura e grande dentro da água. Era um bagre enorme, com aproximadamente um metro de comprimento e "bigodes" compridos. Ele estava na beira do mar, mas ainda submerso. As ondas não tinham poder sobre o seu corpo. Ele sequer balançava com as investidas da água. Mantinha-se firme, com o bater de suas nadadeiras. Ele me encarava, misterioso e eu lhe disse com os olhos que saísse dali antes que o pescassem. Mal terminei minha intenção de pensamento, surgiu um preto velho ao meu lado. Ele estava sem camisa, e com uma bermuda surrada. Sem nada dizer, ele entrou na água, tomou o grande peixe em seus braços e saiu. 


Não posso escrever sobre a revelação deste sonho. Tem coisas que temo escrever, pronunciar e até pensar. Mas preciso lembrar e me esforçar ainda mais pelas virtudes do amor incondicional, da humildade, sabedoria e paciência.

ETERNA MÁGOA – poema de Augusto dos Anjos

O homem por sobre quem caiu a praga Da tristeza do mundo, o homem que é triste Para todos os séculos existe E nunca mais o seu pesar se a...