sábado, 7 de novembro de 2015

O Fantasma e o Vampiro - Capítulo IV

No dia seguinte Valentina acordou pouco antes do almoço, febril e com os pés em frangalhos. No entanto, estava feliz. Aquelas feridas atestavam que a noite anterior fora real. Pela primeira vez depois da morte de Klaus, sentiu-se disposta a sair da clausura de seu quarto, caminhar, respirar ar puro, sentir um pouco de sol.

Foi ao jardim e deixou-se invadir pela energia restauradora do astro rei, recuperando o rubor que a tristeza roubara de sua face. Entrou em casa quase que dançando, para admiração de todos. Sentou-se à mesa e serviu-se de tudo. Provou do ensopado, do pernil, e serviu-se de duas generosas fatias do bolo.

Os pais observavam atônitos, e a irmã caçula até cantarolou:
- “A Tina está namorandoo, seus olhos estão brilhandoo...”
Valentina afagou as tranças da pequenina, e respondeu com um sorriso.
- Quanta alegria, minha filha!
- De fato, meu pai!
- Já era tempo de você se reerguer. Que bom que atentou para meus conselhos, querida filha  – Gabou-se a mãe, julgando-se responsável por aquela melhora.

- A que se deve tamanho entusiasmo? – questionou o pai.
- Enquanto houver esperança, serei feliz! A quem mais os pássaros cantam, senão àqueles que aguardam ansiosos a sucessão dos dias? Os pássaros cantam por mim!
- Vejo que estás novamente apaixonada! Quem será o rapaz? – perguntou a mãe, respondendo logo em seguida – Presumo que Arthur Gundbrandsen!
- O dono de meus sentimentos sempre foi, e sempre será o mesmo. – respondeu com tamanha convicção, que todos os olhos e ouvidos presentes atentaram para tal declaração.
- Pois não entendo! – retrucou a mãe, buscando respostas no olhar dos demais.
- Minha filha... Seu noivo está irreversivelmente morto. – disse o pai, como um professor que explica algo complexo. Tentou manter a calma, pois pela primeira vez temeu pela sanidade de Valentina.
- Você não pode passar o resto de sua vida de luto! Esqueça-o de uma vez por todas! – disse a mãe, sem qualquer paciência para uma nova discussão.
- Pois ouça bem, minha mãe. Não esquecerei meu grande amor em um mês, e nem pretendo fazê-lo enquanto viver! – retirou-se após essas palavras, deixando a mãe nervosíssima.

Apesar de nada poder roubar sua felicidade, sentiu-se incompreendida. E como poderiam entendê-la? Se soubessem de suas experiências da noite passada, tomariam-na por louca, ou até mesmo praticante de bruxaria. Seria excomungada. Teve febre novamente, provavelmente causada pela friagem da madrugada anterior.
Acordou para o jantar, mas comeu em seu quarto. Não se sentia motivada a discutir novamente com sua mãe. “Como são insensíveis...”, pensou, enquanto tomava um copo de leite morno. Mas não se ateve a pensar em seus pais. Sua angústia era outra, que comprimia seu peito e embrulhava o estômago. Precisava ver Klaus novamente. Seria muito injusto se não o pudesse. Não suportaria perdê-lo por uma segunda vez. A mãe veio medir-lhe a temperatura e desejar boa noite. Mal podia imaginar que, por baixo das cobertas, Valentina estava completamente vestida para sair.

Quando se sentiu segura de que todos dormiam, a moça forjou em sei leito uma silhueta com almofadas, de modo que se alguém checasse seu quarto, pensaria que ela estava dormindo. Tomou o caminho secreto, e logo estava fora de casa.

Aquela noite estava demasiadamente fria e o vento, cortante. Ainda que com os pés feridos, seus passos eram determinados. Nenhuma dor ou medo a deteria rumo aquele encontro. Mantinha o pensamento em seu amado e deixava que as mais cálidas lembranças aquecessem seu corpo.

No entanto, seus delírios de amor foram cedendo a uma estranha sensação. Era como se algo maligno estivesse à sua espreita, montando uma espécie de cerco que se estreitava cada vez mais. A presença opressora se esgueirava por entre as árvores secas, varrendo a folhagem morta do chão. O vento rodopiava, formando redemoinhos de poeira e folhas. Ou seria neblina?! Por trás daquele sinistro fenômeno, teve a impressão de ter visto olhos ardentes, que chispavam aqui e ali, onde a treva era mais densa.

Fez o sinal da cruz e apressou o passo. Quanto antes estivesse ao lado de Klaus, mais segura estaria. Seu amado não deixaria que nenhum mal a acometesse. Aquela pavorosa neblina se dissipou quando chegou ao cemitério. Sentiu-se aliviada ao refugiar-se por trás dos portões.

O cemitério estava completamente escuro, iluminado apenas pelas estrelas. Por sorte já conhecia bem o caminho para o túmulo de Klaus. Mas para seu desespero, não avistava em lugar nenhum a silhueta fluorescente de seu Fantasma.

Aflita, começou a chamar pelo nome do amado e rogar aos céus que não lhe negassem aquela graça.

Quando estava prestes a chorar, surpreendeu-se um com ruidoso estilhaçar. Virou-se rapidamente, com a mão sobre o peito. Lá estava Klaus, e à sua frente um arranjo que ele arremessara contra o chão.
- Valentina! Podes me ver?!
- Sim, meu amor, sim! – disse, e lançou-se nos braços do Fantasma. Mas acabou atravessando o corpo imaterial.
- Estou tentando atrair sua atenção desde que chegou ao cemitério. Foi mais fácil que da outra vez. Acho que estou aperfeiçoando minha técnica de comunicação com os vivos! – disse, satisfeito.
- Não pode imaginar a felicidade que isto me traz! Mas em breve não precisará mais de tantos esforços. – disse Valentina, perdida em incógnito vislumbre.

 - Por que diz isso? – perguntou, intrigado com aquela expressão no rosto da moça. Conduziu Valentina a um conjunto de grossas raízes que serviam perfeitamente de assento. Não podia toca-la, mas sua energia a envolvia de forma quase palpável. Ele sentou ao lado da moça e pôs as mãos sobre as dela.
- Certa vez ouvi dizer que os espíritos podem tocar uns aos outros. É verdade? – retomou aquele ar esfíngico.
- Sim. – fez uma pausa, desconfiado acerca do que viria adiante. – É verdade. Mas porque pergunta?
- Porque pretendo me tornar um fantasma, assim como você.
- Valentina, você...
- Sim. Morrerei. E assim finalmente me unirei a ti, como sempre sonhamos.
- Você não sabe o que está falando. Você tem muitos anos pela frente! É jovem, ainda pode ser feliz! – a figura de Klaus brilhou ainda mais,como uma estrela prestes a morrer.
- Mas minha felicidade está contigo! Sem ti, não poderei suportar sequer um ano. A morte é inevitável para mim. Ainda que eu viva um século, envelhecerei. E quando morrer, serei um fantasma decrépito, que assustará até a ti.
Klaus não riu daquelas palavras, apesar de terem um tanto de graça. Era tudo verdade. Valentina envelheceria, mas isso ele poderia suportar.  Mas era bem provável que fosse obrigada a se casar com outro homem, e sujeitar-se aos caprichos deste. A sociedade não era justa para as mulheres. Era normal que os maridos subjugassem as esposas. Além disso, homem algum amaria Valentina como ele. Mas era por amá-la tanto que jamais aceitaria seu sacrifício em nome daquele sentimento. Tratou logo de mudar de assunto. Não daria asas a tais pensamentos.

- Você fica mais bela a cada dia! Pergunto-me como isto é possível. Estou certo de que na terra não existe donzela alguma de semelhante beleza.

De fato, Valentina estava deslumbrante. Sedutora à sua maneira tímida. Trajava o belíssimo vestido creme que reservara para as núpcias. O decote quadrado valorizava o busto adornado por um camafeu dourado. A rica joia se perdia por entre os seios de nívea brancura. O corte justo realçava o ventre esguio, o volume dos quadris. Lamentava ter se mantido casta em nome das convenções religiosas e sociais, que de nada lhe serviam agora que seu amado estava morto. Naquele amor não haveria pecado. Tudo seria sacramento.

- Vesti-me especialmente para ti. Estou pronta para ser tua, Klaus.
- Mas como poderei, Valentina...?! – Klaus estremeceu.

Em silêncio, a moça começou a se despir lentamente de suas vestes e pudores. Desprendeu os feixes do vestido, revelando um ombro e depois o outro. Embora todo seu corpo tremesse de frio e sofreguidão, mantinha o olhar no amado. Klaus permanecia petrificado, como que sob o encanto de uma deusa mitológica. A aura do Fantasma tornou-se vermelha como o fogo e inflamava à medida que Valentina prosseguia com o lânguido rito. Ela se virou e deixou o vestido cair até a cintura, revelando a sedutora musculatura das costas e as estonteantes covinhas de Vênus. Quando Valentina virou-se de frente e exibiu o voluptuoso e perfeito par de seios, o Fantasma chegou ao ápice do desejo. Klaus tornou-se uma figura fulgurosa e incandescente que ameaçava consumir-se a qualquer momento, tamanha era a excitação que o acometia.

No entanto, em um lampejo de lucidez, o Fantasma recobrou o controle de si.
- Por favor, Valentina. Pare. Vista-se! Não podemos continuar com isso. Não é correto, nem possível! – soluçou Klaus, envergonhado de si, de sua incapacidade, de sua fraqueza.
- Não lute contra isso, meu amor! Sei que me desejas tanto quanto eu a ti! Por favor, Klaus, não adiemos mais esse momento, pois essa espera me adoece! Não vês que estou enferma de amor?!
- E tu não vês que estou morto? Que não posso sequer te tocar. Como poderia eu... Como poderia, Valentina?! – exclamou, desesperado.
- Não me importa que estejas morto e incorpóreo. O simples contato com tua energia pode me levar ao mais sublime gozo! Vem, meu amor! Invade meu corpo com tua cálida aura. Deposita em mim teu calor e vida, pois também morri naquele fatídico dia!  
- Não posso, Valentina! Não seria justo para contigo. Vista-se. Tem outros espíritos a espreita. Não quero que comprometa tua virtude.
- Pois a mim não importa. Não os vejo! Se for o caso, vamos ao teu túmulo!
- Pare! Não diga mais nada, pois não estás agindo com lucidez. O desejo quase me cegou, mas não deixarei que roube sua visão.
- Klaus... – Valentina emudeceu. Vestiu-se e nada pôde falar tamanha era sua frustração.
- Tu sabes o quanto te desejo. Essa tortura é ainda maior para mim do que para ti.

A moça deixou o cemitério aos prantos.
Decidiu de uma vez por todas: Naquela noite, morreria. 

---


Valentina seguiu errante pela noite, profundamente abalada.

Seja pela vontade dos deuses, ou por uma inexplicável sorte, não sofreu nenhum dano, não foi roubada, ou abordada por qualquer malfeitor. Nem sequer recebeu um galanteio mais afoito dos bêbados que vagavam pelas ruas à noite. Na verdade, aquela cidade nunca fora tão silenciosa quanto aqueles tempos. Uma série de assassínios estava mantendo os nobres em suas casas ou em quartos de bordéis. E os mendigos pareciam ter sumido das calçadas onde costumeiramente dormiam.  

“Fantástico...” Praguejava Valentina, enquanto marchava lentamente para morte (ou para casa, o que viesse primeiro). “O terrível estripador não passa de uma fábula...”. Sentou-se no parapeito da ponte e continuou a refletir. “Tal rumor é deveras conveniente. As mulheres mantêm seus maridos em casa, e os jornais vendem mais exemplares. Afinal, todos se interessam por assassinos em série. Grande lorota.”

Lembrou-se, porém daquela experiência pavorosa que a fez fugir.  Deu-se conta que ainda guardava consigo um tanto daquela sensação, e perdeu o fôlego.  Olhou em volta e novamente se sentiu observada. Era como se a presença estivesse lá, sempre à espreita. De certo estava lá! Levantou-se do parapeito, temendo que uma mão terrível a puxasse para o rio. Sentia que não poderia dar as costas para nenhuma direção, pois aquele mal a vigiava por todos os lados. Pôs-se a caminhar apressadamente, girando a cada cinco passos. Aquela presença opressora a fez por um momento esquecer a futura “vida” ao lado de seu amado fantasma. Quem resiste ao terror da Morte? Que espírito sobremaneira elevado encararia sua algoz sem trincar os dentes? A Morte era terrível para todos. Ainda que trouxesse o alívio final para alguns, o encontro com a sinistra dama afetaria o mais forte ser vivente.

O instinto natural a fez correr, mas as vestes volumosas não lhe permitiram ir longe. Em menos de dez metros percorridos, Valentina foi ao chão. Ergueu-se um pouco com auxílio das mãos e virou o tronco para encarar os olhos cruéis de sua verdugo. 

Para a sua surpresa, não era a Morte e sim um elegante cavalheiro em trajes de gala. Ele tinha cabelos loiros caindo nos ombros e um rosto tão sombrio quanto deveria ter aquela a quem esperava.
- Pensava que eras mulher – balbuciou a moça.
- Por quem me tomas?! – respondeu, com certa frustração.
- Perdoe-me, senhor. É que eu esperava a Morte.
- Receio que não nos pareçamos.
- Estou certa que não – respondeu Valentina, enquanto apalpava as têmporas, toda confusa.

Ele lhe estendeu a mão, com um riso no canto da boca. Seus dentes reluziram de forma sinistra à meia luz. Apesar da impressão taciturna, era belo. Teria notado o charme do cavalheiro, não estivesse perdida de amor pelo Fantasma.

- Acho que não encontrarei quem procuro esta noite.

Ele riu.

- Quem sabe amanhã? – respondeu com certo humor negro, que causou arrepios na moça.

- É. Quem sabe.

Valentina limpou a terra das vestes e seguiu para casa apressadamente.
De alguma forma, sabia que não estava sozinha.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

O Fantasma e o Vampiro - Capítulo III

Os dias passavam e Valentina sabia que aquela crescente dor jamais se tornaria mera saudade. As pálpebras inchadas e sempre úmidas falhavam em represar o manancial infindo de lágrimas. Definhava dia após dia. Sua postura etérea agora parecia o flutuar de um espectro. Ao cruzar com a irmã caçula no corredor, causou na criança grande espanto.

Era bom que parecesse feia. O filho de Gundbrandsen não casaria com uma moça de aspecto doentio, assim como nenhum outro rapaz do reino a proporia. Mas estava enganada ao pensar que tais sutilezas prevaleceriam sobre os interesses por trás daquele matrimônio alcovitado. O vento malvado tratou de levar aos ouvidos da moça os silvos das más línguas, que já especulavam a respeito de seu casório com Arthur, o filho do conde.

As contas do terço bateram estridentes contra a parede. Cansara de todos, da sociedade, das rezas, da vida. Entregar-se-ia a morte, definharia dia após dia. Deixou de comparecer às refeições e sequer levantava da cama. Mergulhou em profunda melancolia. A noite era o único momento em que tinha pequenos sopros de alegria. Edificou um templo para Klaus em seu subconsciente, e em sonhos revivia os dias felizes que tiveram.

Certa noite, porém, não conseguiu dormir. Sempre que os olhos pesavam, despertava noutro instante com a impressão de ouvir chamarem seu nome. Relutou por algum tempo, até ouvir nitidamente, como se falassem ao seu ouvido. Arrepiou do alto da cabeça aos pés.

Levantou num ímpeto, e foi até a varanda de seus aposentos. O vento uivava impetuosamente e trazia junto à sua estrondosa onomatopeia a inconfundível voz de Klaus. Trêmula, cobriu-se com o robe de cetim e tomou a passagem secreta que outrora utilizava para encontrar-se às escondidas com o falecido noivo.  Num piscar de olhos estava do lado de fora da mansão. Iria ao cemitério, pois de algum lugar dalém dos fúnebres portões, seu amado a chamava.

Estava frio lá fora, e as ruas desertas. O vento desgrenhava-lhe os cabelos, e investia contra sua frágil vestimenta, obrigando-lhe a reforçar a segurança com as mãos. Pouco importava se alguém a visse e o juízo que fariam de seu estado mental. Todos naquela cidade sabiam de seu infortúnio, e não lhe julgariam leviana pelas vestes inapropriadas. No máximo a tomariam por louca. De qualquer forma, cobriu o rosto com os cabelos. Se o relato de sua imprudência chegasse aos ouvidos de seus pais, eles tomariam medidas drásticas.

Sem parar um instante sequer para recuperar o fôlego ou descansar os pés descalços, atravessou o pequeno vilarejo: a praça vazia, a clínica do médico, o casa da parteira. Pegou um desvio para não passar em frente ao bordel. Passou pela igreja, e todos os santos pareciam fitá-la com seus olhos piedosos.

O chão tornou-se lamacento, e seus pés castigados, sentiram certo alívio ao entrar em contato com a terra úmida. Ignorou a própria dor e continuou seu caminho, pisando cipós e espinhos. Finalmente chegou diante dos ornamentados portões do cemitério, e com grande esforço conseguiu movê-los. A voz que clamara durante todo o percurso, calou-se assim que cruzou o pórtico. Aquele silêncio tumular era de gelar os ossos.

- Por favor, fale! Seja lá o que queres de mim, diga agora! – disse com voz decidida, porém suave.
Para sua frustração, o silêncio.
- És tu, meu amor? Por que foges de minha presença? Mostra-te, anjo de luz! Tua alma iluminada jamais me infligirá medo. Não temas por mim! Aparece!
Não obteve resposta alguma.
- Klaus? Imploro-te que apareça!
Nada aconteceu e a moça rompeu em lágrimas. O desalento invadiu seu corpo, trepido de dor.
- Oh, gênio das trevas lúgubres! Porque me encheste de falsas esperanças? Não está meu espírito quebrado o suficiente? Mostra tua face pavorosa e faz com que a máquina de meu corpo falhe irreversivelmente!

As pernas vacilaram e deixou-se tomar sobre o túmulo de Klaus. Encolheu-se em forma de concha e chorou até engasgar com os próprios soluços. Foi quando um calafrio fez tremer até a última vértebra de sua coluna.

Valentina levantou de supetão e viu AQUILO que desafia as ciências, que marginaliza os crédulos aos grupos místicos da sociedade e leva as mentes fracas à loucura. Ali estava! Repousando sobre seu colo, o FANTASMA de Klaus!!! Seu corpo era completamente translúcido, e não exercia força alguma contra o dela! Em alguns pontos até ultrapassava sua pele, suas vestes! A moça levou a mão à boca e conteve um grito. O Fantasma pareceu se assustar também, e levantou em um rápido movimento.

Os dois ficaram de pé, um diante do outro. Ele, com uma expressão de espanto, ela, ainda tapando a boca, soluçando em copioso pranto. Foram se aproximando com as mãos rumo a um encontro, e tocaram-se vacilantes. A palma translúcida atravessou a mão humana de Valentina. Não puderam sentir o toque físico, mas sim uma sublime e cálida sensação. A moça tremeu ao ser invadida por aquela energia que irradiava por todos os membros. E as lágrimas brotaram com mais abundância, tamanha alegria e êxtase. Na tentativa de tomar o amado em seus braços, acabou por abraçar a si mesma. A sensação foi intensa, porém triste. Não podia abraçar aquele corpo descarnado.

- Eu não tinha mais esperanças de que pudesse me ver! Tenho tentado há tantos dias, meu amor! – disse o Fantasma, sôfrego.
- Eu o amo tanto... – disse, finalmente, em um sofrido soluço. – Por que me deixaste?! – arfou Valentina, quase desfalecendo de emoção.

Naquele momento, falar com Klaus era em tudo diferente, não somente por sua nova forma translúcida e imaterial. Era como se o tempo não corresse normalmente, como acontece em visões, que duram segundos, mas parecem uma eternidade. E ao despertar não se faz ideia de quanto tempo passou. Estaria ele adentrando no mundo dos vivos, ou ela (tão debilitada) no mundo dos mortos?

- Como você tem passado? – Perguntou o Fantasma, tentando fazer daquele reencontro um momento de alegrias e não de lágrimas. Afinal, não tinha certeza se aquilo se repetiria, ou se era uma chance única destinada aos mortos que muito sofrem por não terem dito adeus às pessoas queridas.
- Oh, querido Klaus! Viver me tem sido um terrível fardo desde que você se foi! Não fosse este milagre, amanhã estaria morta. Mas morrer não me é mais uma triste experiência, pois agora sei que me encontrarei contigo... – tratou de mudar de assunto ao notar que Klaus reprovava suas divagações, – Deve ter notado que minhas medidas diminuíram. Não sinto fome. Estou feia.
- Você continua perfeita! Talvez mais bela que antes! – Klaus perdeu-se em admiração ao analisar a amada, tão fragilizada.

O sangue voltou a correr pelas faces da moça, que corou como há muito não acontecia.
- E você? Como está?
- Deveras entediado. A maioria dos mortos só quer chorar por seus vivos e não posso reprová-los. Outros se empenham em vinganças fúteis, ou se divertem assombrando a família do coveiro. Alguns conseguem cruzar os portões do cemitério e andam pela cidade, amedrontando os andarilhos ou visitando os seus. Poucos conseguem comunicar-se com os vivos. Para um “novato”, estou em um nível fantasmagórico elevado, hahaha! É uma pena que não haja outros bardos aqui. Presumo que tenha sido ideia de minha mãe enterrar-me neste cemitério aborrecido. – disse, carrancudo.
- Todos concordaram que este era o local mais adequado para você ser enterrado. – estranhava cada sílaba que pronunciava. – Não é belo, mas como só temos dois cemitérios no vilarejo, e o segundo é por demais ordinário, cremos que essa seria melhor opção.
- Preferia estar ao lado dos fantasmas beberrões, que ser vizinho de Rupert Johnnes. – resmungou, e apontou para o túmulo vizinho, cujo dono era um avarento bancário que morrera junto ao cofre em um assalto.

Ela riu, ainda que frustrada por ter aprovado aquela escolha inconveniente. No entanto, sentiu-se aliviada ao perceber que a morte não levara de seu amado o senso de humor. Era o mesmo por quem se apaixonara!
- Lembra-se de Katrina?
- A vaidosa filha do joalheiro, atropelada por uma carroça?
- Exato. Ela passa o tempo a se lastimar pela cicatriz que o acidente deixou em seu rosto.
Pasma, olhou em volta para ver se era capaz de ver Katrina, ou ouvir suas lamúrias. Nada pôde ver. Sua capacidade de comunicar-se com os mortos restringia-se apenas a seu falecido noivo. Felizmente, aquilo lhe bastava.
- Quer dizer que os ferimentos permanecem depois da morte?
- Sim. Passamos a eternidade (ou sabe-se lá quanto tempo) com a aparência exata do momento em que morremos.

Klaus olhou para seu peito, e lá estava a chaga ensanguentada que a maldita flecha lhe abrira.
- Felizmente eu retirei a flecha antes de morrer, senão ela teria me acompanhado. Espero que minha camisa rasgada não esteja muito deselegante a seus olhos.
Valentina esboçou em seu rosto toda a dor que aquele ferimento lhe inspirava. Levou os dedos até a ferida, mas não pôde tocá-la.
- Não se preocupe, não dói. Não mais.
- Como isto aconteceu? – refletiu sobre quão dolorosos foram os últimos momentos de Klaus. “Sua morte não fora rápida... Como deve ter agonizado!” – pensou.
Ele hesitou. Finalmente escolheu as palavras e narrou o ocorrido.
- Bem... Eu estava voltando para o vilarejo, ansioso para encontrá-la. De repente, fui atingido em cheio. Caí do cavalo, e a queda tirou-me os sentidos. Minhas lembranças são vagas... Mas saiba que meu último pensamento foi para você.
- Você viu o autor do disparo? Conte-me e pedirei a meu pai que vingue sua morte!
- Não minha querida. Não vi quem atirou em mim. – respondeu, depois de uma prolongada pausa.
- Descobrirei quem fez isto a você. É uma promessa!
- Estou certo de que descobrirá. No entanto, estou irremediavelmente morto. Não há como reverter isso e já aceitei meu destino. O único motivo de sofrimento para mim é não poder tomá-la em seus braços.
Ambos calaram, pois compartilhavam daquela dor.

- Agora é chegado o momento mais triste que minha morte.
Ela indagou com os olhos imersos em lágrimas, sem poder imaginar algo pior que o terrível momento em que perdera seu amado.
- Extasia-me a possibilidade de podermos conversar novamente, assim como estremeço ao pensar que esta poderá ser uma despedida definitiva. Mas meus sentimentos não me são preciosos quando se trata de sua proteção. Você precisa voltar agora para casa, ou comentarão que está louca. Além disso, há muitos perigos na noite. Existem veredas tenebrosas, onde os caminhantes são abandonados até pela própria sombra. Se eu pudesse... – suspirou, enquanto tentava acariciar o rosto ruborizado da moça, transmitindo-lhe calor. –... Se eu pudesse, te acompanharia até em casa. Mas não consigo ultrapassar os portões do cemitério...
Novamente a dor, a angústia, a sensação de perda. Era como se o momento da morte de Klaus se repetisse.
- Como saberei se poderei vê-lo novamente?! Eu não posso deixá-lo! Não agora que o reencontrei! – ela já estava se desfazendo em lágrimas.
- Não sei, minha querida. Mas não desperdicemos este momento. Serei eternamente grato aos deuses! Ainda que não mais a veja, este reencontro me deixará satisfeito por toda a eternidade! Eu a amo, imensuravelmente.
Após esta bela declaração, tocaram os lábios, e o calor os invadiu.
- Eu também te amo. Para sempre! – murmurou, tentando conter o desespero que esganiçava sua voz.
- Agora vá, minha amada! Vá, e não fale a ninguém sobre isto!
- Eu voltarei! Eu voltarei! – dizia para ele, e para si mesma, enquanto corria. Quando olhou novamente para trás, ele não estava mais lá.

Por trás de uma árvore seca, o rapaz calado ficou. E de seus olhos brotavam belas gotas brilhosas, que pareciam lágrimas. Lágrimas de um Fantasma.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

O Fantasma e o Vampiro - Capítulo II

Ao acordar no dia seguinte, Valentina ainda estava em estado negação. No entanto, desistira da ideia de sair em busca de Klaus, dada a debilidade induzida pelos calmantes. Tampouco podia pensar em qualquer coisa. Ao mergulhar em si, ao perscrutar sua mente, tudo era um grande e infindo branco. Limitava-se a ouvir, inerte, o falatório dos espectadores de sua desgraça que se reuniam em volta do leito. Cochichavam sobre o ocorrido, ignorando sua presença.

- Ouvi dizer que ele foi torturado! É verdade? – perguntou uma senhora mexeriqueira.
- Na verdade ele foi atingido por uma flecha. Sabe como as pessoas exageram, não é querida? – respondeu a mãe de Valentina.

Em outro canto, o pai conversava com um amigo.
- Você sabe que este casamento não me interessava muito. A família dele era riquíssima, mas o jovem almejava uma vida campestre, sem grandes luxos. Que pai desnaturado desejaria tal sorte para uma filha?!
- Quem sabe meu filho não a agrade? – respondeu o decrépito e maçante conde Gundbrandsen.
- Dizem que foram atacados por uma das tribos da floresta. – cochichou uma empregada à outra.
Seu desejo era expulsar todos aos berros dali. Mas não tinha forças, não conseguia falar. Pareciam ter-lhe roubado o ar dos pulmões e a voz.

Chegada a hora do funeral e minimizado o efeito dos sedativos, chorou sobre o corpo de seu amado klaus. Beijava-lhe os lábios e acariciava-lhe o rosto como se aquele último momento fosse a tão sonhada lua de mel.

- “Devo permanecer neste mundo estúpido que, sem você, não valerá mais que uma pocilga?”*. De certo que não, meu amor. Não temas, querido. Não te deixarei sozinho! Faremos deste triste sepulcro nossa alegre casa. Juntar-me-ei a ti!
Tiveram de segurá-la para que não se atirasse na sepultura junto ao morto. O médico da família, sempre a postos, aplicou com maestria uma de suas injeções eficazes. Sem mais forças, cedeu novamente ao efeito dos calmantes.


*William Shakespeare


---


Os dias que se seguiram foram de dor e sofrimento para a pobre moça. Revestida de luto, nada fazia além de rezar pela alma de Klaus. Nem mesmo descia ao jardim, que tanto apreciava. Deixou que suas flores murchassem e aos poucos deixava-se morrer também. Suas faces rosadas perderam a cor, adquirindo homogênea palidez por todo o corpo. Seus olhos brilhantes foram tomados por profundas olheiras, e seu corpo tornou-se magérrimo.

Todos os dias a moça ia ao cemitério e velava o túmulo de seu amado por horas. Retirava as ervas que insistiam em enroscar na lápide e adornava o sepulcro com flores azuis que brotavam na fértil necrópole. Os pais, desconhecendo o hábito da filha, supunham que Valentina saía para encontrar as amigas, e que seu estado melhoraria com o contato social. Por não compartilharem de seu infortúnio, a morte de Klaus já deveria estar mais que superada. “Afinal, já se passara um mês”. Eles riam, cantavam e se banqueteavam com a maior naturalidade. Como se o pesar que demonstraram no enterro do rapaz não devesse ser encenado por mais que um dia.

- Por que continua usando essas roupas, minha filha? Preto não lhe cai bem!- perguntou a fútil mãe.
- Por que estou de luto. – respondeu, entre dentes.
- Ah, mas não devia ficar tão triste! Se exigi sua presença esta noite no jantar, é porque receberemos um ilustre convidado! Você mal pode imaginar a surpresa que lhe aguarda! Vamos, troque de roupas! Ponha o vestido rosa e a gargantilha de diamantes que seu pai lhe deu!
- Desculpe-me, mas sinto não poder fazer cortesias a ninguém. E quanto ao luto, não tirarei nunca.
- Mas filha, o Conde Gundbrandsen e o filho estão vindo jantar conosco! Já devem estar chegando.
- O que?! – Valentina se levantou da mesa ruidosamente, sem poder acreditar em tamanha insensibilidade.
- Olha os modos, menina! – esbravejou o pai. - Faça o que sua mãe diz!
 - Pois bem. Jantarei com o ilustríssimo conde e seu filho. Mas saibam que quando me propuser casamento, direi a ele que não o amo e que sempre pertencerei a Klaus! Não me casarei com homem algum ainda que me torne uma planta seca e estéril pelo resto de meus dias, que de certo serão abreviados pela dor que me causam com tais ardis!
- Vá para seu quarto! – agora foi o velho quem se levantou, batendo as mãos sobre a louça e talheres. – Mas não pense que escapará da surra que lhe darei!
- Castigue-me. Mate-me se assim preferir. Assim me poupará de cometer contra minha vida imperdoável transgressão! Mate-me, pai! Mate-me se verdadeiramente me estimas!

O homem levantou-se vermelho de ira, com as veias a ponto de explodirem. Neste momento, faltou-lhe o ar e o coração ameaçou falhar. A mulher correu para ampará-lo e expulsou Valentina aos berros.

- Você quer matar seu pai?! Filha desnaturada! Ingrata! Saia daqui antes que acrescente a morte de seu pai à sua infinita lista de pecados! Saia! Trataremos do assunto nós mesmos. Se bem nos parecer, acertaremos o noivado hoje mesmo! Oras! Essas moças de hoje tem muitas regalias!

Desolada, Valentina chorou até não mais possuir lágrimas para verter. Preferia a morte a entregar-se para outro homem.

- Ai de mim, Senhor, ai de mim! Perdoe minha pobre alma se algum dia for à Tua presença antes que Tu a chames! Deixai-a entrar no céu, pois é por desespero que cogita tais heresias!

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Viajantes astrais

O relógio marcava 3:23 da madrugada. Após assistir uma sequência de vitórias de Mike Tyson, fui nocauteada pelo sono. Dei um beijo de boa noite em meu namorado. Abracei-o por trás e enterrei meu rosto em suas costas, como de costume. Mergulhei imediatamente nas escuras dimensões do sono. No entanto, não tardou até que eu despertasse daquela confortável inconsciência. Embora minhas pálpebras estivessem cerradas e todo o cômodo revestido de profunda escuridão, meus olhos astrais estavam perfeitamente abertos. Logo soube que estava tendo uma paralisia do sono. Tentei levantar, mas não pude me mover um milímetro sequer. Senti que a mão carnal de meu namorado envolvia a minha, e o contato com sua pele me tranquilizou. Aceitei aquela condição e resolvi tentar uma projeção astral.

Controlei a respiração e foquei na intenção de sair do corpo. Meus membros começaram formigar de forma bem peculiar. Senti meu "eu astral" se desprendendo do físico... e foi se distanciando... distanciando... Logo não pude mais sentir a mão de meu companheiro, e a sensação de segurança foi desaparecendo à medida em que me afastava do seu toque. A cama sob meu corpo parecia ter desaparecido e a escuridão se sobressaia sobre todas as coisas. Senti-me flutuando e tudo ficou ainda mais confuso quando comecei a ouvir o som desconexo de muitas vozes. Era como se dezenas de homens, mulheres e crianças falassem ao mesmo tempo. No entanto, as suas palavras não eram direcionadas a mim. Suas vozes, embora humanas, lembravam-me o som de um tecido exposto a rajadas fortes de vento.

Fui acometida pela inevitável angústia de sempre ao sentir que não estávamos sozinhos naquele cômodo. "E se algum espírito me aprisionar para sempre nessas dimensões? E se houver dentre os viajantes astrais um demônio mau? Se eu nunca mais conseguir voltar para meu corpo?". Logo perdi o controle e comecei a lutar contra aquilo. Tentava abrir os olhos, mas as pálpebras pareciam estar coladas. Podia senti-las tremendo com todo meu vão esforço. Meus dedos pareciam pesar toneladas e minhas pernas estavam completamente inválidas. Esperava que meu namorado pudesse ouvir meus gemidos mudos. No entanto, eu sabia todo esforço físico seria inútil. Eu bem sabia como aquilo funcionava...

Embora temesse o plano astral e seus ruídos, que vez ou outra pareciam a voz gutural dos mais obscuros espíritos, tentei recobrar a calma. Resolvi me projetar novamente. Levaria meu amado comigo, e juntos desbravaríamos aquelas dimensões místicas. Com ele ao meu lado, nada me assustaria... Nem a atmosfera lúgubre... nem as silhuetas disformes... nem o vozerio sinistro.

- Diogo... Diogo..! - clamei com minha voz espiritual.

Ele dormia profundamente e não me ouviu.
Concentrei-me com todo empenho, e algo mágico aconteceu.
Podia ver meus belos braços astrais: translúcidos, cintilantes, dotados de cósmico e leitoso e brilho. Eram encantadores, fascinantes.

Toquei a face de meu companheiro e penetrei sua pele. Com as mãos em forma de concha, envolvi seu rosto astral e trouxe para fora de seu corpo físico. Era lindo e iluminado, assim como eu. Perdi-me em admiração por tamanha beleza. Todavia, ele estava conectado ao seu corpo de uma forma que não me era permitido intervir. Aquela devia ser a proteção divina que impede outros espíritos de se apoderarem de corpos que não são seus. Aceitei aquela limitação e vi o quão desrespeitosa e egoísta tinha sido minha atitude. Soltei seu rosto imediatamente e me afastei.

Tudo ficou escuro, e confuso, e turbulento novamente. Temi os vultos que passavam velozes à minha volta. Mais uma vez eu não seria forte o suficiente e me deixaria dominar pelo medo. Mais uma vez eu clamaria a Deus para que me tirasse daquela condição.

Desesperada, comecei a chamar o sagrado nome.
"Deus! Deus! Deusssss!"

Aos poucos, minhas súplicas mudas foram se tornando audíveis e acordei num supetão, com o rosto inundado de lágrimas. Meu namorado acordou com meu choro e logou tratou de tranquilizar-me no ninho de seus braços. Todavia, demora certo tempo até cruzar a fronteira dos dois mundos. Eu sabia que se fechasse meus olhos precipitadamente seria sugada para o astral mais uma vez. É como se o corpo ficasse aberto. Dá até para sentir a atmosfera espiritual e as presenças invisíveis que espreitam. Quando tive a certeza de estar completamente inserida no plano físico, entreguei-me novamente ao sono, dessa vez profundo e duradouro.

Ao acordar na manhã seguinte, emburrei-me por ter perdido o controle mais uma vez. O dom de viajar no astral oferece possibilidades infindas aos que o tem e eu desperdicei mais uma vez. No entanto, fiquei maravilhada ao saber que meu namorado também tinha vivenciado uma paralisia. Provavelmente eu fiz com que ele cruzasse a fronteira. Não tenho certeza se isso é bom ou ruim para ele. Mas a possibilidade de ter ao meu lado um viajante astral a quem amo e confio tornou minhas expectativas bem mais positivas.

sábado, 12 de setembro de 2015

Ela, não Ofélia, nem Ismália

Ela, não Ofélia, nem Ismália
Tecia, com júbilo, sua mortalha
E sobre a torre repousava
No parapeito da insânia

---

A "Ela, não Ofélia, nem Ismália", nenhum amor ingrato afligia. Tampouco tinha qualquer fixação pela Lua. Nascera louca. Tinha obsessão pela ceifadora de todas a vidas e pela vermelhidão do próprio sangue. Teceu sua mortalha como quem se prepara para o matrimônio. Precipitou-se torre abaixo com um riso largo. Encontrou os lábios da Morte na superfície dura de uma rocha. Sapos e grilos velaram seu corpo, entoando uma bela sinfonia. Encontrou descanso sob o céu estrelado, envolvida pelas águas tranquilas do lago.

---

Trecho inicial de uma poema que escrevi no Ensino Médio e infelizmente, minha mãe jogou fora kkkkk Era bem legal, mas só consigo lembrar disso :(

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

O Fantasma e o Vampiro - Capítulo I

Era uma vez, em um pequeno vilarejo, uma bela moça chamada Valentina. Ela era alva como a neve que cobria aquelas terras no inverno, mas as maçãs de seu rosto eram rosadas como o alvorecer. Suas feições exalavam etérea e virginal pureza. Os longos cabelos negros emolduravam-lhe a face como um véu, sem camuflar, porém, a silhueta perfeitamente esculpida pelo uso de espartilhos. A ela se destinavam os elogios das mais respeitáveis senhoras e as melhores propostas de casamento. Por ela, todos os jovens suspiravam e escreviam suas trovas. No entanto, o coração de Valentina batia exclusivamente por Klaus, por quem se apaixonara desde a infância e permanecia amando até os então 17 anos.  

Os pais de Valentina aprovavam aquela união a contragosto. O rapaz, embora pertencesse a uma linhagem próspera, vivia entre bardos e beberrões. Mas por amor de Valentina, ele prometeu abandonar aquele estilo de vida.  Propôs-lhe casamento assegurou-lhe que seria o bom marido que ela merecia. Todavia, antes do casório, pediu-lhe permissão para embarcar em mais uma aventura, a última antes de se entregar aos votos matrimoniais. Com o doloroso consentimento da moça, partiu para um festival de música e vinho em um reino próximo dali.

Valentina ficou apreensiva, pois as estradas eram cheias de salteadores, e os bosques repletos de armadilhas ocultas. Porém, os preparativos para a cerimônia davam a alegria e esperança que seu coração precisava. Mal cabia em si de tanta alegria e ansiedade.  A família encomendou os mais caros tecidos e contratou o mais renomado alfaiate para a confecção do vestido. O homem franzino garantiu, entre lágrimas de emoção, que Valentina seria a mais bela noiva já vista em todos os reinos. 
O bolo, por sua vez, demandaria do trabalho de todas as confeiteiras da região, uma vez que seria grande o suficiente para servir cada habitante do vilarejo. Além disso, foram encomendadas as mais exóticas e perfumadas flores para os arranjos.

Às vésperas do grande dia, Klaus enviou um mensageiro anunciando que chegaria em breve. Tudo para a festa já havia sido preparado e Valentina mal podia esperar para encontrar o amado diante do altar. Mas a felicidade da moça pouco durou. A trágica notícia veio num pé de vento. Um dos amigos de seu noivo adentrou na cidade, completamente ferido e ensanguentado, tendo fôlego apenas para dizer:

- Todos... estão... mm... mortos... to..dos... Klaus... diga a ela... mortos... – e engasgou-se com o próprio sangue.

E como as pessoas têm o hábito milenar de apressar-se para divulgar más novas, não demorou nada para que fossem até Valentina narrar o ocorrido, sem qualquer precaução ou eufemismo. Ela estava fazendo os últimos ajustes no vestido, quando um menino entrou no atelier, esbaforido, trazendo a triste notícia. Em uma súbita queda de pressão, a moça quase despencou do pequeno banquinho, não fossem as mãos do alfaiate. Conduziram-na até o corpo do rapaz, e contaram-lhe as últimas palavras. A moça entrou em desespero, gritou, esperneou e ameaçou correr para o bosque para resgatar o amado, negando-se em aceitar tal sorte. Em vão. Arrastaram-na de volta para sua casa e o médico da família aplicou-lhe toda sorte de calmantes, até que adormeceu.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Profunda destruição

"Ele tinha caminhado, a despeito de si mesmo, para essa mudança de sentimento. E, vagando pela face da terra, tinha vagado da periferia ao centro do seu deserto. Tinha se firmado na sua segurança e aceitado forçosamente a sua extinção. Imaginava-se como certos velhinhos que lembrava haver visto, os quais, ainda que parecessem frágeis e encolhidos, diziam que em seu tempo bateram-se em vinte duelos e foram amados por dez princesas. (...) Assim, em suma, aprendeu a viver: alimentando-se com a sensação de que uma vez ele tinha vivido. (...) Bastou-lhe viver desta forma durante meses, e o ano passou. E o teria sem dúvida levado mais longe , não fora um incidente aparentemente sem importância que o arrastou em outra direção maior que suas impressões do Egito ou da índia. (...) E o toque, neste caso, foi o rosto de um mortal. Este rosto, numa tarde cinza em que as folhas secas cobriam as alamedas, olhou para o de Marcher no cemitério, com uma expressão cortante como uma navalha. Marcher de imediato reconheceu nele alguém profundamente atingido – uma percepção tão aguda que nada mais na sua figura se impôs, nem a roupa, nem a idade, o presumível caráter, a classe social. Nada se revelou , além da profunda destruição que exibia em suas feições. O que aquele homem teria tido, cuja perda o fazia sangrar assim e ainda viver?
Alguma coisa (...) que ele, John Marcher, não tinha. Nenhuma paixão jamais o tocou, pois aquilo era o que a paixão significava. Ele havia sobrevivido, vagueado e definhado. Mas onde estava sua profunda destruição? (...) A verdade, vívida e monstruosa era que, durante todo o tempo que havia esperado, a própria espera vinha a ser a parte que lhe cabia (...) ".



terça-feira, 1 de setembro de 2015

Dos Anjos...

"Ser cachorro! Ganir incompreendidos
Verbos! Querer dizer-nos que não finge,
E a palavra embrulhar-se no laringe,
Escapando-se apenas em latidos!
(...)
 A alma dos animais! Pego-a, distingo-a,
Acho-a nesse interior duelo secreto
Entre a ânsia de um vocábulo completo
E uma expressão que não chegou à língua!"

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Premissas

A realidade é o que é, ou o que nosso cérebro processa e recria através do sensorial?
Mas se todas as pessoas são escravas de seus sentidos, isso também torna seus atos previsíveis. O interior de cada um, no entanto, permanece desconhecido.As pessoas podam seus estímulos internos, seu eu interno, de acordo com as convenções sociais. Mas a maioria das pessoas também desconhecem o próprio interior, por estarem guiadas apenas pelos órgãos do sentido.
Esse interior seria inexpressivo, quase nulo? O interior seria apenas um reflexo do que sentimos, aprendemos ou fomos condicionados a aceitar? Que parte desse interior permanece virgem, puro, intocado pelos estímulos externos? O que nosso cérebro ainda não percebeu graças às suas próprias deficiências?  Qual o potencial dessa parte...? Seria essa a chave para a ilumina;ao maior, de algo nunca visto?
Porra

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Aprendizado

Quem diz Eu Sou, Eu Posso, Eu Tenho, não sabe Amar Incondicionalmente. Não precisamos gritar aos ventos "EU SOU", pois perante Deus somos todos Iguais.
O Ego nada tem de Divino. O Ego tem mil caras e mil máscaras. Por vezes é rude, impiedoso, violento, cínico, cruel… outras é educado, fino, sincero, amoroso, místico…
O Ego usa a máscara que mais lhe convier. O EU, de acordo com as circunstâncias, mostra-se tal como é ou esconde-se sob finas sutilezas.
O Ego não é mais que um grupo de "Eus"!

quinta-feira, 13 de agosto de 2015

"Para o mal..."

Sem nada pronto para publicar, aí vai esse trecho que adoro de "Assim falou Zaratustra"... :)

---

Os olhos de Zaratustra tinham visto um mancebo que evitava a sua presença. (...) E, uma tarde, ao atravessar sozinho as montanhas (...) encontrou esse mancebo sentado ao pé de uma árvore, dirigindo ao vale um olhar fatigado. Zaratustra agarrou a árvore a que o mancebo se encostava e disse:
“Se eu quisesse sacudir esta árvore com as minhas mãos não poderia; mas o vento, que não vemos, açoita-a e dobra-a como lhe apraz. Também a nós outros, mãos invisíveis nos açoitam e dobram rudemente. (...) Porque te assustas? O que sucede à árvore, sucede ao homem. Quanto mais se quer erguer para as alturas e para a luz, mais vigorosamente enterra as suas raízes para baixo, para o tenebroso e profundo: para o mal.”

Assim falou Zaratustra - Nietzsche

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Os Escravos do Pau D'Arco

Era um fim de tarde excepcionalmente triste e escuro. A Lua negara-se a assumir seu posto e o dia de despedia sem deixar substituto. Os pássaros já haviam se recolhido e um silêncio de morte reinava em minha rua. Meus gatos encorujados seguiam-me com seus olhos grandes. Cumprimentei-os, mas não ousaram deixar a laje e miar em coro, como de costume.
Eu, humana, animal inferior, deficiente nos mais importantes instintos, ignorei os sinais da natureza e sai de casa debaixo do céu agourento. Ao entrar no carro tive de acender a luz para localizar alguns objetos. Quando ergui a vista, notei que o vigia vinha em minha direção em uma marcha rápida, inapropriada para o seu corpo idoso. Chegou esbaforido e entrou no veículo sem pedir permissão.
Assustada, perguntei ao velho o que se passava e ele arfou:
- Cuidado com os escravos do Pau D’Arco! – e voltou o olhar assustado para a esquina.
Aquelas palavras me causaram arrepios. Senti, de imediato, que elas designavam algo mau, sombrio. Olhei na direção que ele apontou e vi que três negrinhos vinham rumo ao carro. Eles pareciam escravos norte-americanos foragidos, e seus trajes beiravam a elegância. As duas moças, uma magra e alta, a outra baixa e rechonchuda, trajavam longos vestidos brancos e sunbonnets. Entre as duas estava um negrinho franzino, que parecia ser o mais jovem e tinha menor estatura. Ele vestia uma blusa branca de algodão por dentro da calça grafite, presa por suspensórios.
Era pavoroso, pois eles vinham em nossa direção sem que os pés realizassem o mecanismo do caminhar. Eles vinham flutuando, como espectros, em ritmo constante. Tudo se tornava ainda mais bizarro, pois o negrinho trazia no rosto uma expressão maquiavélica. Esboçava um riso desconfortavelmente exagerado, e por pouco, sua arcada dentária cerrada não unia as orelhas salientes. Ele deslizava a cabeça de um lado para outro, como se procurasse algo com aqueles olhos terrivelmente arregalados. Trazia as mãos magras na altura do peito, e seus dedos se moviam de um jeito maquiavélico, como tramasse mil e um ardis. As moças nada falavam, e em seus lábios cerrados, um riso petrificado, que por nada se desfazia.
Aquilo tudo era tão estranho, que sequer tivemos o ímpeto de fugir. Num piscar de olhos, os três estavam ao meu lado, separados apenas pelo vidro entreaberto. Embora estivesse com medo, senti um súbito desejo de ajudá-los. O negrinho de rosto endiabrado me ofereceu uma pequena cesta, coberta por um paninho xadrez. Subjugada pelo medo, estendi as mãos para recebê-la, como se nada pudesse fazer além de me deixar conduzir. Meu êxtase de submissão foi interrompido pelo vigia, que com um safanão, impediu que minhas mãos tocassem a cesta e os pães que dentro estavam.
- Não toque em nada! Não aceite nada deles! – repreendeu-me.
Naquele momento, foi como se eu despertasse de um encantamento. Como se tivesse imediata clarividência acerca dos intentos diabólicos dos escravos. Encolhi-me de pavor.
O negrinho viu, no tremor involuntário de minhas pupilas, que eu havia descoberto sua identidade demoníaca. Ele espumou de ódio e gritou como uma criança contrariada. Possesso de fúria, movia a cabeça nervosamente e seus olhos irados ameaçavam saltar das órbitas. Começou a falar em dialetos estranhos e eu sabia que aquelas palavras eram cheias de maldições. Comecei a clamar a Deus e pedir que me livrasse de tais sortilégios, mas sua malevolência me oprimia, sufocava minha voz. Eu afundava cada vez mais no banco do carro, sem que pudesse me mover. Meus membros completamente paralisados, não obedeciam minhas intenções de fuga. Estava presa em meu corpo inválido, como se mil demônios me neutralizassem com seus grilhões infernais.
Eu lutava contra aquela energia nefasta, suplicando a Deus em espírito, já que não podia falar. Em meu íntimo, sabia que no último momento, quando clamasse com toda minha fé, Ele me libertaria. Já me livrara tantas outras vezes, embora eu sempre enveredasse por caminhos tortuosos e me afastasse de Sua Graça. Embora eu tivesse negado minha fé em fevereiro de 2013.
E assim aconteceu. No auge de meu desespero e asfixia, o divino nome me resgatou das trevas opressoras.
 “Cuidado com os escravos do Pau D’arco”.  Compreendi a profecia por trás daquelas palavras. Meditei sobre ela incansáveis vezes. Ainda assim, deixei-me ludibriar pela beleza do ipê que florescia.

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Início da cura

Que as mãos do futuro respeitem a pureza deste momento.

Uma aura de repente me ilumina.
Vejo-me nua no espelho. A curvatura das costas, o relevo do seio. A cor nácar reluz com o feixe de luz que me ilumina o busto. Mãos invisíveis me apertam a nuca. Abro o corpo para o vento e para a misteriosa energia telúrica. Refletida no grande cristal, pareço uma donzela antiga de cabelos desgrenhados, mas bem dispostos. Sou bela como Vênus entre espumas. Ilegítima, mas real. Envolvo-me em um abraço quente e roço a face nos ombros nus. Delicio-me com o veludo da pele enquanto meus longos cabelos acariciam-me as costas. Deito-me para apreciar o toque da colcha de seda ornamentada. É gostoso, mas agora meus lábios estão secos.
Levanto-me e descubro o misterioso ângulo dos joelhos. Anoto para não esquecer, mas em enigma.
Sei que devo lembrar de mudar algumas coisas de lugar. Coisas e sentimentos. Também preciso buscar meu celular no jardim de inverno... Antes a chuva venha. Mas a distância agora parece maior, Achei prudente calçar os sapatos.
“Vou para a terra e depois volto pra casa. Subo um degrau, tiro os sapatos na primeira cerâmica e sigo descalça pelo resto da casa.” – pensei. Ou terei murmurado? Era um mecanismo lógico, mas idiota ao ser pensado. As coisas estavam demasiadamente confusas, então resolvi apenas observar. Peguei meu celular e dirigi à cozinha.
No chão da cozinha, um girino, anfíbio morto. Parecia um mini-crocodilo, e às vezes um mini- homem. E às vezes um mini-homem... feito de carne mesmo.
O gato gosta.
O homem-girino é mais que isso. É um mini-homem girino com aparência de crocodilo. Na verdade ele é ainda mais. É uma porta de armário entreaberta.
Não. Não há nada por trás do que digo. Não há nada subliminar. É apenas o retrato do que imagino... Do que é peculiar... Por trás dos olhos vermelhos.
Abandono o claustro de paredes, telhas e móbília. Nas ruas, me sinto só. Embora o chão seja de pedras, e as muitas árvores refresquem a noite, a sensação é de estar naquelas cidades de gibis. Ao fechar os olhos, vejo silhuetas negras de prédios, desenhadas em um céu púrpuro... São como grandes lápides, de tudo que era vivo e o homem dizimou para erguer suas civilizações. A criminalidade está em alta... E sonhamos com heróis que nos salvem do mal nos becos escuros da cidade... Ignoramos as advertências e o instinto de auto-preservação para sermos salvos. Expomos-nos aos mais terríveis riscos para sermos resgatados em seguida. E quando nos falta auxílio, amaldiçoamos a existência e a criação. Nos entregamos à descrença, passamos a confiar em nossa própria justiça e força. Isso não nos torna menos frágeis.
Tudo aqui são pessoas que querem falar coisas. E todos têm a mesma voz, a mesma entonação, o mesmo jeito. E eu, que vivi no máximo três vezes, penso saber das coisas. O mundo e as relações interpessoais são deveras enfadonhos. Suspiro e encerro tais reflexões, que de certo não levam a nada.
Continuo minha peregrinação sensorial.
Sento e observo a natureza em minha volta. Um de meus gatos vem até mim, de uma forma diferente. Ele parece ter consciência humana, e seu olhar me faz mil acusações. Com a boca entreaberta, começou a roçar sua cabeça em mim, num ritmo nervoso. Isso me fez sentir dor e medo. O meu lado homem quis mostrar fogo. O meu lado animal quis correr. No entanto, resolvi me afastar e ceder lugar ao gato. Respeitamo-nos, como seres domesticados que somos. Toda a situação se desfez.
Pisco os olhos no ritmo do grilo. Ouço passos e o tic-tac de um relógio. Mas onde estou não se contam as horas. Apenas padrões. Quando a mágica acabar, saberei que se passaram duas horas. Poderiam ser seis se assim quisesse. Mas dessa forma amanheceria sem que eu durma.
Hoje o vento está bom para incenso e eu escolho sono. Gostaria de não acordar, por alguns dias. Ainda assim, ajusto o despertador para que toque na hora certa...
"Que me desperte na hora de acordar. Que só descarregue depois..."

Hoje, as mãos do futuro exaltam a tão preciosa cura para as penosas vigílias do passado.

---

Parte de mim era dom, outra era tristeza. Por algum tempo, apeguei-me à melancolia como principal fonte de inspiração. Como se a própria tristeza fosse meu dom. Só eu sei como meus últimos escritos foram sentidos e refletiam meu estado real de espírito... um estilo de vida doentio. Ao fim do ano passado, resolvi destituir-me do luto, ainda que isso refletisse em minha habilidade para escrever ou implicasse no fim dela. Embora soubesse que jamais seria uma pessoa radiante, abracei a possibilidade de ser diferente. De sofrer menos. Passei um bom tempo sem escrever coisa alguma, com exceção de listas de supermercado e pequenas cartas de amor.
No entanto, sob a poderosa influência  de Marte, acordei incrivelmente disposta a escrever. Resolvi dar uma olhada em meus arquivos e achei tudo muito bom. Precisando de correções, é claro.
Mas enfim... Estou editando o cru e postando o que antes era impublicável...
Sinto-me especial. O dom, que é a parte de mim que mais gosto, continua entranhado aqui dentro.
Voltei a sonhar, a ter minhas experiências astrais. Minha sensibilidade está a flor da pele.
Confesso que meus melhores contos foram escritos no auge de minha tristeza... O "Swarovski e Sangue"... "Mágica em pó"...Estudos comprovam a influência positiva da melancolia sobre processos criativos... No entanto, eu também escrevi coisas legais fora da lânguida redoma em que estava aprisionada. "Glay O'Hanne Lindsay" é a prova disso.
Sempre gostarei de Augusto dos Anjos, Álvares de Azevedo e seus poemas malditos.
Não tenho pretensão alguma de escrever textos ridículos de auto-ajuda ou motivação.
Minha atração pelo oculto e místico dificilmente deixará de existir.
Permanecerei escrevendo com a alma, e isso sempre refletirá minha essência.

ETERNA MÁGOA – poema de Augusto dos Anjos

O homem por sobre quem caiu a praga Da tristeza do mundo, o homem que é triste Para todos os séculos existe E nunca mais o seu pesar se a...